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Por Rogerio Ruschel – Entrevista exclusiva com Sofia Soares Franco, Diretora de Comunicação Institucional e Enoturismo da vinícola José Maria da Fonseca.
Prezado leitor ou leitora, uma das marcas portuguesas de vinhos mais conhecidas pelos brasileiros é certamente a Periquita, produzido pela José Maria da Fonseca desde 1850 e em nosso mercado desde o século XIX. O Periquita é considerado o primeiro vinho tinto engarrafado em Portugal, produzido com uvas Castelão inicialmente na Cova da Periquita, em Azeitão, na Peninsula de Setubal, e de lá saiu para o mundo.
E como a José Maria da Fonseca, com quase 200 anos (foi fundada em 1834 e é a mais antiga empresa de vinhos de mesa em atividade contínua em Portugal) percebe a importância do Brasil, promove o Periquita e mais de 60 marcas e enfrenta os desafios das mudanças climáticas, as sobretaxas dos Estados Unidos e mudanças radicais de comportamento de consumo? Perguntamos para Sofia Soares Franco, uma das herdeiras na sétima geração da família, Diretora de Comunicação Institucional e Enoturismo, em mais uma entrevista exclusiva para In Vino Viajas. Com a palavra Sofia Franco.
Rogerio Ruschel – Sofia, quais os aspectos mais conhecidos da marca José Maria da Fonseca fora de Portugal? Quais as facilidades de comunicar esta marca? E as dificuldades?
Sofia Soares Franco – Os aspectos mais conhecidos da José Maria da Fonseca fora de Portugal são a sua longevidade, sendo a mais antiga empresa de vinhos de mesa em atividade contínua em Portugal (fundada em 1834), e com marcas icónicas como o Periquita, o Lancers e o Moscatel de Setúbal Alambre. A história, tradição familiar (com sete gerações), e a consistência da qualidade são ativos fortes e facilitam a comunicação da marca. No entanto, comunicar simultaneamente inovação e tradição pode ser um desafio, assim como adaptar a mensagem institucional aos diferentes perfis culturais e maturidade dos mercados onde operamos.
Rogerio Ruschel – Quais os desafios de comunicar os diferenciais de mais de 60 marcas, distribuídas por vinhos de mesa, generosos e licorosos que tem diferentes momentos de consumo, em mais de 70 países? E como isso contribui para a imagem de marca institucional?
Sofia Soares Franco – Comunicar mais de 60 marcas com diferentes perfis, posicionamentos, estilos e momentos de consumo é um desafio logístico e estratégico significativo, sobretudo em mais de 70 países. Exige uma segmentação clara, articulação com os importadores de cada mercado, e uma estratégia de portefólio bem definida para evitar sobreposição e garantir consistência. Contudo, esta diversidade também reforça a marca institucional, demonstrando a versatilidade e competência da José Maria da Fonseca em produzir vinhos de qualidade para vários segmentos e ocasiões.
Rogerio Ruschel – O mercado brasileiro foi estratégico para a empresa, depois foi reduzido nos anos 1930 e agora volta a ser um dos cinco mais relevantes. Qual a real importância stria. Como a JMF e das atividades viticinicolas e considerada estratte. Qual a realimport~ancia doµercado brasileiro para a JMFdo mercad dodeste mercado para a JMF atualmente? E no futuro?
Sofia Soares Franco – O mercado brasileiro sempre foi e continuará a ser um mercado estratégico e de enorme relevância para a José Maria da Fonseca. É um mercado que tem um enorme carinho pelos vinhos portugueses e valoriza os mesmos pela sua história e qualidade. A José Maria da Fonseca tem uma presença no mercado brasileiro já desde o séc. XIX tendo tido mesmo uma delegação comercial no Rio de Janeiro que durou até aos anos 30 do séc. XX. O Periquita é uma das marcas com maior notoriedade e relevância no mercado, sendo o Brasil um dos maiores mercados do mundo para consumo deste vinho. Atualmente compete com a Suécia pelo primeiro lugar dos nossos principais mercados de exportação.
Rogerio Ruschel – No Brasil Periquita é sua marca mais conhecida. Confesso que nunca provei Lancers, Alambre Moscatel de Setúbal e BSE, nem mesmo como membro de comissão julgadora de concursos em Portugal. Como é feita a comunicação das marcas JMF no Brasil?
Sofia Soares Franco – A comunicação das nossas marcas é sempre feita em conjunto com os nossos importadores, com quem temos uma relação forte de parceria de muitos anos. Sendo estes os especialistas no mercado, podem mais eficazmente recomendar e coordenar todas as atividades de comunicação das nossas marcas no mercado do Brasil.
Rogerio Ruschel – A sustentabilidade das atividades vitivinícolas é considerada estratégica pela indústria, tanto pela sobrevivência da atividade quanto pelo comportamento da sociedade e dos consumidores. Como a JMF trabalha este assunto? Quais os principais indicadores e os resultados? Quais os principais reconhecimentos?
Sofia Soares Franco – A sustentabilidade é um eixo estratégico da nossa atuação. A José Maria da Fonseca tem implementado medidas concretas em três frentes: ambiental, social e económica, sendo a primeira empresa em Portugal a ter a certificação de sustentabilidade Fair and Green e tendo sido reconhecida recentemente coo a “adega mais sustentável da Europa”, por parte dos mesmos.
Utilizamos energia solar em larga escala, práticas agrícolas sustentáveis nas vinhas, reciclagem integral de subprodutos e redução ativa da pegada de carbono. Os principais indicadores incluem a percentagem de energia renovável usada, consumo de água por litro de vinho produzido, e emissões de CO₂.
Rogerio Ruschel – Quais os planos de médio e longo prazo da JMF em relação às mudanças climáticas? Novas cepas? Novas regiões produtoras? Novos produtos?
Sofia Soares Franco – Face às alterações climáticas, a José Maria da Fonseca está a apostar na investigação de castas mais resilientes, adaptação dos métodos de viticultura, otimização da gestão hídrica e avaliação de novas zonas de cultivo. Além disso, estamos a investir em inovação de produto para responder a novas exigências do consumidor, sempre mantendo a autenticidade dos vinhos portugueses. A médio e longo prazo, continuaremos atentos à ciência e à tecnologia para garantir a continuidade da nossa atividade de forma sustentável.
Rogerio Ruschel – Especialistas sugerem que o futuro do vinho passa pela sustentabilidade mas também pelo crescimento dos vinhos sem álcool. A JMF tem pouca presença neste mercado, apenas uma marca. Quais são os planos neste segmento?
Sofia Soares Franco – A José Maria da Fonseca foi pioneira em Portugal na produção de vinhos sem álcool, tendo lançado o primeiro vinho deste tipo em 2008 com a marca Lancers Free. Atualmente, continuamos presentes neste segmento com a marca Original, disponível nas versões branco, rosé e tinto. Esta linha reflete o nosso compromisso contínuo com a inovação e com as novas tendências de consumo, aliando a tradição à capacidade de adaptação. Reconhecemos o potencial de crescimento dos vinhos sem álcool, sobretudo entre consumidores que procuram opções mais leves ou estilos de vida mais saudáveis, e estamos a acompanhar de perto a evolução deste mercado para avaliar futuras oportunidades de expansão da nossa oferta.
Rogerio Ruschel – Tenho escrito sobre os vinhos de talha em Portugal e meus leitores apreciam muito; veja aqui: https://www.invinoviajas.com/?s=inho+de+talha Como a JMF aborda mercadológicamente vinho de talha? Vamos tê-los no Brasil? Como podemos conhecê-los?
Sofia Soares Franco – A José Maria da Fonseca tem uma ligação profunda com o vinho de talha através da nossa adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz, uma das mais históricas do país neste método de vinificação ancestral. Nesta adega, contamos com 114 talhas de barro ativas — uma coleção única em Portugal — que nos permite produzir vinhos com grande autenticidade e respeito pela tradição. A nossa marca José de Sousa é o principal exemplo desse trabalho, com vinhos parcialmente ou totalmente fermentados em talha, que expressam de forma muito fiel o terroir e o saber acumulado ao longo dos séculos.
Tratamos esta gama como um segmento premium e diferenciador dentro do nosso portefólio, com forte enfoque na autenticidade e na experiência sensorial única que proporciona. Esta gama chega ao Brasil através do nosso importador Decanter. Para quem quiser conhecê-los melhor, recomendaria uma visita à nossa adega José de Sousa.
Rogerio Ruschel – Quais os planos da José Maria da Fonseca para criar novos consumidores entre os jovens da Geração Z? A JMF já tem produtos para a Geração Z? Você já descobriu “os caminhos de comunicação” com estes consumidores? Quais os planos para eles?
Sofia Soares Franco – A Geração Z exige novas linguagens, canais e formatos. A JMF tem apostado em inovação no packaging, vinhos mais leves e acessíveis, e presença digital mais criativa e interativa. Exemplos são marcas como o Lancers, que apela a um público jovem, moderno e cosmopolita. Além disso, estamos a explorar colaborações com criadores de conteúdo, e a desenvolver produtos que respondam a valores como autenticidade, sustentabilidade e moderação.
Rogerio Ruschel – Qual a importância do mercado dos Estados Unidos? Quais os planos para diminuir os impactos das sobretaxas impostas pelo Governo Trump? A China é uma alternativa importante? Quais os mercados que podem ser valorizados?
Sofia Soares Franco – O mercado dos EUA tem bastante importância para a José Maria da Fonseca. Neste momento não há muito a fazer para diminuir os impactos das tarifas, sendo que a China é um mercado em decréscimo. O mercado que poderia servir de alguma compensação seria o Brasil, caso o acordo com o Mercosul pudesse ser acelerado.
Rogerio Ruschel – Você é da sétima geração da família que comanda a José Maria da Fonseca, uma empresa 100% familiar e a única mulher no comando. Isso atrapalha ou ajuda? Ou não faz diferença?
Sofia Soares Franco – Ser mulher e parte da sétima geração da família é uma responsabilidade e um privilégio. A liderança feminina, num negócio tradicionalmente masculino, pode trazer desafios, mas também traz novas perspetivas e formas de gestão mais inclusivas e colaborativas. O importante é liderar com competência, dedicação e paixão, independentemente do género. E é isso que procuro fazer todos os dias, acompanhada pelo meu irmão António e pelo meu primo Francisco.
Rogerio Ruschel – Como a JMF está atuando com informação tecnológica e inteligência artificial?
Sofia Soares Franco – Temos uma equipa de IT que tem feito permanentemente evoluções no nosso sistema de informação de gestão e está em acompanhamento permanente sobre as formas como a organização poderá utilizar ferramentas de inteligência artificial nas mais variadas áreas da empresa.