A vindima mágica da Sangiovese 2015 na Toscana, a alma perdida da Merlot secreta da Campanha Gaúcha e outras revelações de Galvão Bueno

Tempo de leitura: 12 minutos

Por Rogerio Ruschel

EXCLUSIVO – Meu caro leitor ou leitora, o Galvão Bueno que eu conhecia é aquele de terninho azul da Rede Globo comentando jogadas ou ultrapassagens na minha TV há pelo menos 35 anos. Mas durante a entrevista exclusiva que me concedeu esta semana para prestígio dos leitores de “In Vino Viajas”, descobri que quando fala de vinhos e tira o tal terninho azul da foto abaixo, Galvão é um cara que usa alpargatas prá se sentir mais próximo da terra e das uvas que vem produzindo nela.

Para quem não conhece, explico: alpargata é um sapato confortável feito de lona com sola de sisal, de origem centenária, tão singelo que quem usa parece sentir a energia que emana do solo. Nós, gaúchos, aprendemos desde criança a usar as alpargatas como parte de nosso vestuário tradicional, uma herança atávica de tomadores de chimarrão; veja na foto acima as alpargatinhas azuis no pés do gauchão de bombachas.

Pois Galvão Bueno confessou que quando vai para Campanha Gaúcha tira o terninho azul, calça as alpargatas, monta num cavalo e anda feliz pela Bellavista Estate (acima), sua fazenda no município de Candiota, perto da fronteira com o Uruguai, onde cria cavalos da raça crioula, trabalha com gado e há oito anos produz vinhos. Pois é: o Galvão que conheci tem ligação emotiva com a mãe-natureza, e além de usar alpargatas pra sentir a terra – ou o terroir, neste caso – tem grande preocupação com questões ambientais e reconhece a importância cultural do vinho, que para ele tem “alma” (para mim também, caro leitor).

Esta ligação é profunda, embora Galvão Bueno possa ser considerado um novato na vinicultura, se compararmos seus 10 anos de poda & barrica com a experiência de décadas e até mesmo de séculos de vinhateiros mais tradicionais. Pois é, mas mesmo assim, sendo ainda um adolescente no ramo, alguns de seus vinhos tem competido – e até vencido – rótulos veteranos e com muito mais tempo de estrada; um bom exemplo é o Bueno-Cipresso Brunello de Montalcino que foi o melhor tinto do TOP 100 Vinhos do Ano da Revista Adega em 2014.

Outro exemplo, e este 100% tropical, é o Bueno Cuvée Prestige 2008, um blend de Pinot Noir e Chardonnay com o selo da DO Vale dos Vinhedos, que ganhou uma medalha de Prata no 11o. Concurso Effervescents du Monde, na França, em 2013; fez 89,87 pontos no Challenge Euposia 2016, na Itália; ganhou dois Ouros em concursos brasileiros e ficou no 7o. lugar nos Top Ten da Vini Bra Expo 2017. Não é pouca coisa para um novato, meu amigo. E ao que parece que vai longe, porque acaba de ser selecionado pela Avianca para o serviço de bordo na Classe Executiva.

Para Galvão – eleito a Personalidade do Vinho 2017 pela revista Prazeres da Mesa – o Cuvée Prestige é seu maior orgulho, embora o campeão de vendas seja o Bueno Bellavista Desirée Brut Rosé – foto acima – o espumante que homenageia sua mulher Desirée. Galvão se emociona quando fala dele (e dela): “O Desirée é um vinho único no mundo: criado pelo Roberto Cipresso é um corte bordalês misturado com borgonha, vinificado em rosé, tudo vermelho, não existe outro assim com Merlot, Cabernet Sauvignon e Pinot Noir.”

Não sei se é pela criatividade do Cipresso, pelos ventos de liberdade que sopram nas coxilhas do Rio Grande do Sul, ou porque nasceu como um poema de amor para a mulher, o fato é que o Desirée está na lista dos 100 melhores espumantes do mundo – outro feito que não é pouca coisa, minha amiga.

E para quem não lembra: Roberto Cipresso (acima, com Galvão), enólogo-chefe e sócio de Galvão, é um dos mais criativos e premiados enólogos da Itália, “um fanático do vinho”, como foi chamado por Robert Parker. Cipresso foi o enólogo convidado para fazer os vinhos do Papa João Paulo II e de uma tarefa quase impossivel: criar um vinho com uvas de 150 regiões italianas para fazer o vinho comemorativo dos 150 anos da Unificação da Itália. E é mesmo criativo e teimoso, porque seu próprio vinho se chama Quadratura do Circulo, uma figura geométrica impossivel de se conseguir!

O bafo do mediterrâneo que fez o vinho dos 75 anos

Uma das histórias que Galvão Bueno me contou, muito emocionado, mostra com clareza o lado “alpargatas” dele. Vai que é tua Galvão: “Em setembro de 2015, em Montalcino (foto acima), estava tudo pronto para a colheita que começaria de manhã bem cedinho: o agrônomo e o pessoal do campo a postos, máquinas prontas, o Cipresso fez macarrão, tomamos vinho, fomos dormir, estava tudo perfeito. Aquele tinha sido um ano perfeito com calor, frio, chuva, tudo no dia certo. Na véspera, as 11 horas da noite entrou um vento com cara de chuva e choveu muito, da meia noite até as 2 da manhã. Pensamos em alugar ventiladores para secar as uvas, postergar a colheita, e estávamos desanimando quando de madrugada entrou um vento do mediterrêneo bem quente, um bafo que soprou por cerca de quatro horas. A chuva oxigenou a terra e o vento secou as uvas, ficou perfeito. As oito da manhã já estávamos colhendo e eu nunca mais esqueci; a natureza foi profundamente generosa e desde esse dia nunca mais fiz ou deixei fazer qualquer coisa que a ofendesse. Cipresso me garantiu “Amico, questa é annata di una Vita” (a colheita de uma vida). Este vinho já está há 20 meses na barrica, onde vai ficar até o final de 2018 e pela pipeta já dá para ver que será extraordinário. Vai ter umas 10 mil garrafas. Vou tirar uma parte pequena em março de 2020 para comemorar meus 75 anos, mas o vinho vai estar no mercado como Reserva em 2021.” Na foto abaixo, o casal Galvão e Desierée na sede da propriedade na Toscana, Poggio al sole Montalcino.

O vinho secreto do Galvão com alma revolucionária

Galvão Bueno considera que o Merlot é a casta “bandeira brasileira”, a uva que melhor representaria o Brasil. E está investindo nisso, na Campanha Gaúcha, onde utilizou uma tecnologia inédita na vitivinicultura daqui, o “tessuto non tessuto”, o tecido que não é tecido – na foto abaixo, veja o material em uma aplicação na horticultura. Como Galvão me disse que é a primeira vez que contou esta história para um jornalista, então deixo que ele conte: “ O “tessuto non tessuto” é um tipo de tecido que deixa passar água, evaporar, mas reflete o sol. Colocamos o tessuto non tessuto em algumas linhas de Merlot, com insolação de cima para baixo e de baixo para cima. O resultado está sensacional e está sendo estudado na Universidade de Modena, na Itália. Em 2013 foi feita a primeira vindima; ficou dois anos em madeira, foi para garrafa, onde está afinando, e vai chegar ao mercado em 2018. Ninguém sabia disso ainda, você está sabendo em primeira mão.”

E como vai se chamar o Merlot secreto do Galvão? “Este belo Merlot varietal em princípio deveria se chamar Bueno 1836, ano em que aconteceu a batalha de Seival, o conflito militar que permitiu a criação da República Riograndense, a menos de 5 quilometros da minha vinícola. (Veja abaixo um lenço dos Farroupilhas, do acervo do Museu Julio de Castilhos, em Porto Alegre.) Como o nome 1836 já foi usado por um vinho portugues mas quero homenagear a liberdade do terroir dos pampas, a alma dos revolucionários e a alma do vinho, pensei chamá-lo de AlmaViva – que já foi utilizado pela Concha y Toro – ou Almaúnica, já utilizada por uma vinícola gaúcha. Então decidi chamá-lo de Ânima (alma em italiano).” Pois é, com alma ou sem alma, o Merlot secreto que var ser lançado pela Bueno Wines em 2018 já ganhou o prêmio de melhor Merlot em Barricas pela XXI Avaliação Nacional de Vinhos Safra 2013. Definitivamente, acho que é a energia das alpargatas…

Rápido, mas sem levanter poeira

Para os que gostam de números, além de historias, anotei alguns dados fornecidos pelo Galvão. A meta de 2016 da Bueno Wines foi alcançada, sim: trabalhar com 100% de uvas próprias – “e até vendemos uvas para a própria Miolo e para a Peterlongo”, informa o empresário. E completa: “Em 2017 a Bueno Wines alcançará 70% da meta definida para 2020, com 7 rótulos no Brasil e 2 rótulos na Itália. E a meta original de 2020, de produzir 200 mil garrafas, foi antecipada para 2018.” Quer dizer, tudo vai muito bem na Bueno Wines. Ele pode, então, focar na marca. Abaixo, a linha completa dos vinhos do Galvão Bueno. Hoje Galvão Bueno pode passear com suas alpargatas por uma área de produção de 30 hectares na campanha gaúcha, mas vai ter que comprar sapatos novos porque está preparando mais 20 hectares – ele não confessa, mas acho que vai ter muito Merlot neste pedaço. Sem contar os negócios na Itália, onde também pretende crescer. Segundo Galvão, “Buscamos escala de produção e reforçar a marca – são nossas metas. Minha participação na Miolo tem a ver com escala. Temos estrutura pronta. Trabalhamos com uma equipe multinacional de verdadeiros arquitetos da enologia – Michel Rolland, francês, no inicio; Miguel Almeida, portugues, Adriano Miolo, brasileiro e Roberto Cipresso, italiano – num ritmo que em italiano se diz “veloce ma senza polvere sollevare”, rápido mas sem levantar poeira. Queremos fazer bons produtos, de alta qualidade, mas produtos novos, como o Desirée, que não existe no mundo.”Galvão Bueno fez questão de comentar sobre a linha Moments, seus vinhos recentemente lançados, com foco no público mais jovem – foto acima. Vai que é tua, Galvão: “Se acha demais na nossa indústria e no nosso mercado, mas aqui na Bueno nós pesquisamos para acabar com o achismo. Pesquisamos essa questão de vinhos para públicos mais jovens e o resultado tem sido muito bom. Lançamos o VIC – nome da minha neta mais velha mas que também significa Very Important Celebration, um espumante com Sauvignon Blanc e Pinot Noir aromático e refrescante, descomplicado, que não tem cápsula, é menor e fez 89 pontos na relação custo-beneficio da revista Adega.”

“O outro é o VIN – Very Important News, uma notícia importante para jovens, um Cabert Sauvignon que se afirma pela simplicidade e originalidade. Estes vinhos nasceram a partir de uma pesquisa que mostrou que jovens não bebem apenas bebidas “de balada”, como muitos acham; mostrou que em casa eles já bebem vinhos e cerveja e estão procurando espumantes não muito agressivos. E que, em sua maioria esmagadora, procuram Cabernet Sauvignon.” Segundo Galvão, a resposta tem sido muito positiva, razão pela qual a linha vai ter um rosé. Na foto abaixo sua equipe de frente (o “dream team”), na Campanha Gaúcha.

A falta de união que atrapalha o mercado

Galvão Bueno sempre repete sua opinião como um mantra setorial: os produtores brasileiros de vinhos deviam trabalhar juntos, unidos, para romper o preconceito que os brasileiros tem a respeito do vinho brasileiro. E acrescenta: “Além do preconceito, temos outro problema que é a politica tributária, que não nos permite sequer nos aproximar do preço dos vinhos que chegam pelo Mercosul. Tínhamos que ter uma verba adequada, uma campanha forte, dirigida para mostrar nossa qualidade, a qualidade da indústria vinícola brasileira. Nós temos uma vantagem gigantesca, chegamos ao consumo médio de apenas 2 litros per capita, é muito pouco perto de outros paises, é muito grande o espaço que temos para crescer. Temos o mundo pela frente, temos que nos unir e reunir verbas de cada produtor, um percentual, para a campanha.”

Também penso assim, Galvão Bueno, e creio que temos que ir além: precisamos de um novo modelo de organização setorial, que enxergue o Brasil por inteiro, que perceba que o negócio do vinho vai além do que está na garrafa; temos que construir redes de relações de trades, aproximar os trades de turismo, vinho e cultura.

A aposentadoria que vai ser aposentada

Algum tempo atrás Galvão Bueno deu uma entrevista dizendo que pensava em se aposentar da televisão depois da Copa do Mundo da Rússia. Pois eu acho que ele comprou alpargatas novas porque me disse que aposentou a ideia de se aposentar. É ele quem diz: “Sou como o Chacrinha, quero morrer no palco. Tenho contrato até o final de 2019 com a Globo, talvez depois disso venha a fazer programas e diminuir o volume de dedicação, mas decididamente não vou me aposentar depois da Copa do Mundo de 2018. Posso até ter que desistir da pecuária, mas televisão e vinho estão no meu sangue.”

E Galvão termina me dizendo porque não vai abandonar o terninho azul da Globo e a alpargatas de pisar no terroir: “Estou agora há 43 anos no mundo da comunicação, Minha vida é uma eterna competição, passei a vida inteira competindo com adversários, contra os números da audiência, contra a resistência de ouvintes. Não sei fazer nada que não seja competir, então se entrei no negócio do vinho foi para competir. “

Brindo a isso, Galvão Bueno. Foi um prazer estar contigo (e fazer a foto acima), descobrir alguns dos teus segredos e revelar teu “lado alpargatas” que existe escondido convivendo com o terninho azul que você também tanto ama e que o Brasil aprendeu a respeitar. Tim-tim!

8 Comentários


    1. Obrigado, Jairo. Eu também sou fã dos vinhos do Galvão. Abraços, Rogerio

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  1. Muito interessante a narrativa. Em se tratando de Galvão, tudo tem brilho.

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    1. Obrigado, Pennacchi – os vinhos do Galvão são ótimos. Abraços, Rogrio

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  2. Olha Rogério, não tenho apreço pelo Galvão da TV. Mas lendo esta entrevista, passo a ter apreço pelo Galvão alpargatas. Ótimo texto! Parabéns!

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    1. Obrigado, Vinicius. Eu gosto do Galvão na TV porque ele tem personalidade, e dos vinhos dele, porque tem identidade. O Sangiovese é ótimo! abraços

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