Brasil conquista a primeira Indicação Geográfica de Vinhos Tropicais do mundo: Vale do São Francisco

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Por Rogerio Ruschel

Meus queridos leitores e leitoras, mais um dia para brindar nosso talento: dia 10 de novembro de 2022 se torna um dia histórico para a vitivinicultura mundial com o reconhecimento da primeira Indicação de Procedência de vinhos tropicais do mundo – e no Brasil. A indicação geográfica Vale do São Francisco foi concedida pelo INPI baseada no extenso trabalho técnico de inúmeras organizações e por demanda do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), instituição privada que congrega os produtores da região nos municípios de Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Curaçá, na Bahia, e Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Orocó, em Pernambuco – integrantes da Rede Integrada de Desenvolvimento (Ride) Petrolina-Juazeiro.

A partir de agora, vinhos finos, vinhos nobres, espumantes naturais e moscatel espumante elaborados por oito vinícolas brasileiras e internacionais vão poder carregar o selo de Indicação de Procedência, desde que sigam as normas contidas no Caderno de Especificações Técnicas. E anote outro diferencial importantíssimo, também raro no mundo dos vinhos: em função do clima quente ao longo do ano, é possível a produção de uvas e vinhos o ano inteiro com duas podas e duas safras anuais, com possibilidade de colheitas escalonadas ao longo do ano nas diferentes parcelas de vinhedos. 

Perguntei ao especialista Jorge Tonietto, da Embrapa Uva e Vinho, e ele me garantiu que existem outros países produtores de vinhos tropicais (Venezuela, Peru e Equador; Gabão, Namibia, Etiópia, Kenia e Tanzania; Indonesia, Tailandia, India, Birmania e Vietnam), mas a região de clima tropical semiárido do nordeste do Brasil, da Indicação de Procedência (IP) Vale do São Francisco, tem característica únicas de terroir no nosso querido planeta. O que é confirmado por Maria Auxiliadora Coelho de Lima, chefe-geral da Embrapa Semiárido, “a particularidade da produção de uvas para vinho em clima semiárido tropical e sob um manejo diferenciado, amparado pelo uso da irrigação, resulta em produtos originais e que agregam conhecimentos referenciais e tecnologias inovadoras desenvolvidas para as várias etapas da cadeia de produção assim como para a vinificação”.

Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho comemorou o mutirão técnico: “Esta é uma grande conquista para a vitivinicultura brasileira, que só foi  possível a partir da parceria realizada entre instituições de pesquisa, ensino e setor produtivo”. Ele liderou entre 2013 e 2018 um projeto de pesquisa que envolveu mais de 40 pessoas de várias instituições, entre pesquisadores, professores, técnicos e estudantes, para entender a vitivinicultura do Semiárido nordestino e aprimorar a qualidade dos vinhos da região. Só para vcê ter uma ideia da complexidade, meu caro amigo ou amiga, a equipe de pesquisa básica do projeto contou com pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Semiárido e Embrapa Clima Temperado, de instituições de ensino como a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF SertãoPE), além do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf).

Para Jorge Tonietto, pesquisador que desenvolve projetos de estruturação de Indicações Geográficas (IGs) desde os anos 1990, esta IG tem como diferencial sua localização geográfica – em zona tropical – e ser baseada em requisitos equivalentes aos da União Europeia: área delimitada, produção da uva na área, tipos de vinhos, tipos de uvas autorizadas, produtividade controlada, padrões enológicos definidos, elaboração na região, qualidade analítica e sensorial diferencial para os vinhos e sistema de controle para atestar a conformidade.

Os aspectos que diferenciam a região também estão na paisagem: segundo Ivanira Falcade, pesquisadora aposentada da Universidade de Caxias do Sul responsável pela delimitação da área, a Indicação do Vale do São Francisco protege vinhos originais, oriundos de uma região com uma particular geografia no contexto mundial. “A região apresenta  uma  paisagem vitícola emblemática, com os vinhedos irrigados pelas águas do São Francisco, com a caatinga e suas cactáceas no entorno, ou os morros testemunhos de formações geológicas pretéritas, que se destacam na planície, entre outros aspectos relacionados à cultura regional”, comenta.

Os vinhos poderão ser elavorados por 24 tipos de uvas: Brancas: Arinto, Chardonnay, Chenin Blanc, Fernão Pires, Moscato Canelli, Moscato Itália, Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier; Tintas: Alicante Bouschet, Aragonês, Barbera, Cabernet Sauvignon, Egiodola, Grenache, Malbec, Merlot, Petit Verdot, Ruby Cabernet, Syrah, Tannat, Tempranillo e Touriga Nacional. A previsão é que os primeiros vinhos com a Indicação de Procedência estejam no mercado a partir de 2023, depois de passarem pelas análises exigidas e pelas sessões de avaliação sensorial às cegas, etapas fundamentais para que o vinho possa receber o selo. 

Além dos vinhos finos, elaborados a partir de variedades de Vitis vinifera L., a região também produz vinhos de mesa e suco de uva. As uvas utilizadas para estes dois produtos são essencialmente as variedades geradas pela Embrapa – Isabel precoce, Magna, Carmen, Violeta e Cora – mas não estão certificadas para a IP.

O professor de Enologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) Francisco Macedo de Amorim, acredita que o registro conseguido contribuirá para o fortalecimento da relação entre as vinícolas da região, especialmente pela busca comum de melhoria constante na qualidade e expressão da tipicidade nos vinhos elaborados. Eu acrescento: como de fato ocorre em qualquer ambiente de indicação geográfica, se não houver fortalecimento e união na cadeia produtiva, o esforço não vai ter avlido a pena.

O processo de certificação dos vinhos do Vale do São Francisco mostra que no mundo dos vinhos é assim mesmo, tudo é feito com calma. Em 1970 foram plantadas as primeiras videiras na região; depois da mobilização pelo projeto e das pesquisas iniciais, em 2019 foi definido o Caderno de Especificações Técnicas e respectivo Plano de Controle dos produtos, em dezembro de 2020 foi feita a entrega do pedido de registro da Indicação de Procedência ao INPI e em 2022, dois anos depois, foi emitida a certificação.

Estão em festa a Adega Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinícola Vinum Sancti Benedictus (VSB), Vinícola Terranova (Miolo), Vinícola Terroir do São Francisco (Garziera), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli),  Vinícola Mandacarú (Cereus Jamacaru), Vitivinícola Quintas de São Braz (São Braz) e Vitivinícola Santa Maria/Global Wines (Rio Sol), que estão dentro da região demarcada da nova IG brasileira, única no mundo.

Espero que agora, depois de 40 anos de desejos, pesquisas e investimentos técnicos, cientificos e políticos, não seja esquecido que a IG requer também investimentos mercadológicos, porque nada se vende sozinho. E a concorrência certamente não vai querer ajudar a valorizar os vinhos do Vale do São Francisco.

Fonte: Embrapa Uva e Vinho, Viviane Zanella; imagem de Ivanira Falcade.

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