6 razões do sucesso da Sogrape ter tido em 2021 o melhor dos seus 80 anos, na opinião de seu presidente

Tempo de leitura: 11 minutos

Fernando da Silva Guedes, CEO da Sogrape Vinhos, Portugal

Por Rogerio Ruschel (*)

Entrevista exclusiva com Fernando da Cunha Guedes, CEO da Sogrape.

Meu caro leitor ou leitora, 2021 foi o melhor dos 80 anos da Sogrape Vinhos, a maior vinícola de Portugal, uma das expressivas do mundo e considerada em 2015 e 2016 como a melhor do mundo pela World Association of Writers and Journalists of Wines and Spirits (WAWWJ) – aliás, um título 100% tangível porque soma os pontos que os produtos conquistaram em concursos de terceiros naqueles anos. Porque isso aconteceu? Como? Quais as razões? Pois “In Vino Viajas” revelou em 2016, com exclusividade, os fundamentos dessa performance, em uma entrevista com o CEO da empresa Fernando da Cunha Guedes, com a participação de Carlos Santo Gomes, diretor da Sogrape no Brasil.

Em agosto de 2016 Fernando da Cunha Guedes me recebeu no Hyatt Hotel em São Paulo, e durante duas horas me falou sobre as novidades que viriam, os planos em enologia e distribuição, o desempenho de marcas como Sandeman e Mateus, iniciativas em enoturismo, mas principalmente sobre os princípios sobre os quais a empresa vem sendo conduzido desde sua fundação em 1942 e que explicam as razões de agilidade, adaptabilidade e inovação que permitiram o sucesso deste ano de 2021.

No final deste artigo estão vários links para outros artigos que já escrevi sobre a Sogrape. Veja a seguir parte desta entrevista de Fernando da Cunha Guedes, com exclusividade ao “Em Vinho Viajas”, em agosto de 2006.

160 garrafas de vinho por minuto

Fundada em 1942 a Sogrape fechou 2021 vendendo 160 garrafas de vinho por minuto, um volume de negócios de mais de 300 milhões de Euros, consumidores em 120 países de 100 marcas produzidas em 1.600 hectares de vinhas em 25 quintas de 6 países. É uma multinacional portuguesa que nasceu no Douro, tem algumas das marcas de vinhos mais respeitadas por especialistas (como Barca-Velha, Sandeman, Mateus, Herdade do Peso e Silk & Spyce) e mesmo sendo internacional continua a ser uma empresa familiar.

E na opinião de Fernando da Cunha Guedes esta é talvez a primeira das razões do excepcional desempenho da empresa, porque ser familiar na indústria do vinho ajuda a construir respeito, conservar compromissos e a criar a identidade corporativa. “Vejo uma coincidência de valores entre o que pensam os familiares acionistas e os funcionários”, resume o CEO. E deu como exemplo um compromisso com os 79 anos de existência que eu mesmo confirmei ser verdadeiro: o fundador da empresa, Fernando van Zeller Guedes, dizia que na Sogrape “fazemos amigos antes de fazer negócios”. Fernando Guedes, seu neto e representante da terceira geração da família no comando da empresa, acredita que as pessoas que trabalham na Sogrape tem amor de verdade pelo que fazem e pela empresa, porque convivem em um ambiente de méritocracia e vêem o exemplo da familia reconhecendo isso: dos mais de 1000 funcionários apenas cinco são da família Guedes.

Esse é um dado relevante, concordo, mas sozinho não explica porque este excepcional desempenho da Sogrape. Fernando Guedes considera importante a tradição portuguesa e familiar, a “vocação e paixão pelo que fazemos na Sogrape”, como diz, mas identifica na qualidade dos produtos uma segunda razão determinante para o desempenho da empresa. E como o negócio de vinhos está fundamentado no prestígio da marca, obviamente ele tem razão. Com um portfólio que reúne mais de 100 marcas, entre as quais clássicos como Mateus, Gazela, Sandeman e Casa Ferreirinha, a Sogrape coleciona e preserva histórias que vem encantando gerações de apreciadores de vinhos. Guedes falou com orgulho delas, e me surpreendeu falando sobre uma das marcas mais “misteriosas” do mundo do vinho: o vinho do Porto Sandeman.

Sandeman: um case de marketing de 200 anos

A marca Sandeman é um case de marketing com mais de 200 anos – uma absoluta raridade no mundo dos negócios. Foi criada pelo inglês George Sandeman (foto abaixo) que começou a produzir vinho do Porto em 1790, e é uma das mais antigas marcas do mundo.

A Sandeman foi a primeira empresa de vinhos do Porto a engarrafar seus próprios vinhos (o que por séculos era feito por terceiros); a primeira a exportar vinhos engarrafados e rotulados; a primeira a fazer investimento publicitário na marca, em 1905 – e isso em Londres, meu caro leitor. Entre os pioneirismos, Sandeman foi a primeira marca a ter um personagem-simbolo – o Don, criado em 1928, um cidadão misterioso com capa de estudante da Universidade de Coimbra e chapéu de Jerez – veja na imagem abaixo. Com tudo isso Sandeman é a marca mais universal de vinho do Porto, prestígio que se reflete em números: em média 18.096 garrafas de Sanderman foram vendidas por dia em 2015! Por dia! Esse personagem deve valer milhões de Euros e eu suspeito que seja um dos ativos mais importantes da Sogrape. Na foto abaixo a coleção Sandeman comemorativa aos 225 anos da marca, em 2015

Mas será que o produto continua bom mesmo? Pois anote: o Sandeman ganbhou uma pontuaçnao espantosa de 99 pontos na Decanter, em 2021! De fato, o Sr. George Sandeman fazia marketing de primeira classe no século XVIII. E aqui uma surpresa final: ele ainda faz, porque um Sr. George Sandeman Oitavo trabalha na Sogrape (que comprou a marca em 2001), fazendo a gestão da marca e do personagem misterioso criado por seu tataravô… Repito: uma raridade no mundo dos negócios.

Mateus: 55 mil garrafas vendidas por dia

Fernando Guedes me disse que cerca de 75% do faturamento da Sogrape vem de fora de Portugal e informou que uma das marcas responsáveis por isso é outro clássico caso de marketing da empresa: o vinho Mateus Rosé. O Mateus Rosé tem números ainda mais impressionantes do que Sandeman: com 75 anos de existência, em 2015 teve cerca de 20 milhões de garrafas vendidas em mais de 100 países – quase 55 mil garrafas por dia! Em 2021 foi o vinho rosé mais vendido na França, a terra dos rosés famosos!!! Em 2015 a marca representava 15% do total do faturamento da empresa e as vendas aumentavam cerca de 8% em média, por ano.

E este é um desempenho ainda mais surpreendente se considerarmos que Mateus não é um vinho tinto nem branco – é rosé, um tipo de vinho que muitas pessoas não “sabem como beber”; e além disso vem embalado em uma garrafa redondinha, inspirada nos cantis utilizados pelos soldados durante a Primeira Guerra Mundial, que pode espantar um enófilo tradicional. Veja na foto abaixo o cantil de vinho rosé da Sogrape.

Pois é, o “velho” Mateus Rosé tem entre seus admiradores uma grande coleção de personalidades como Jimmy Hendrix, Amélia, a Rainha de Inglaterra, Fidel Castro, a Rainha Isabel II, Calouste Gulbenkian e o Papa Paulo VI.

Outros produtos

Fernando Guedes destaca Sandeman e Mateus Rosé para explicar o desempenho da empresa, mas outras marcas como Gazela, Casa Ferreirinha, Lan, Barca Velha, Callabriga e Quinta da Leda também são importantes. Eu perguntei a ele sobre o porque de lançar (em 2015) um rótulo chamado “Trinca Bolotas”, um vinho alentejano desenvolvido para ser harmonizado com carne do tradicional porco alentejano e Guedes me disse que é uma homenagem a este animal que está em rápido “processo de esquecimento”, como caracterizou.

Eu disse que suspeitava que a Sogrape poderia estar criando uma tendência de criar vinhos harmonizadores na empresa; por exemplo, um vinho do Minho com o nome “Verde Sardinhas” ou quem sabe um tinto “Eno-Tripas”… Ele sorriu e desconversou, mas se a missão da empresa é “dar a conhecer ao mundo a variedade e a superior qualidade dos vinhos produzidos em Portugal” e nesta empresa sediada na Vila de Gaia, Porto, se respeita as tradições, quem sabe se a Sogrape não esteja de fato criando uma nova tendência?

Reorganização estratégica

Fernando da Cunha Guedes me disse que talvez outra das razões do bi-campeonato da empresa seja ter aceito “o desafio de conhecer e entender as novas gerações”. E explicou que recentemente a Sogrape fez uma reorganização estratégica da qual faz parte uma forte aposta na geração “Y”, conhecida como os “Millennials”, os jovens que estão agora com 21 a 38 anos e nos Estados Unidos já se tornaram o segmento populacional com o maior número de consumidores de vinho. E ao que parece a Sogrape está no caminho certo, porque segundo o Wine Market Council (WMC), os “millenials” que se tornaram a “geração de esperança” para o vinho.

Então, meu prezado leitor ou leitora, até agora você já viu quatro razões apontadas pelo CEO da Sogrape que ajudam a explicar o sucesso da empresa: 1) o compromisso de fazer amigos antes de fazer negócios; 2) ser uma empresa com o melhor de uma organização familiar mas com gestão profissional de padrão global; 3) só trabalhar com produtos de qualidade e não descuidar do investimento nas marcas estratégicas; e 4) buscar o reconhecimento da geração Millenial como consumidor presente e futuro de seus vinhos.

Inovação permanente

Mas existem pelo menos outras duas razões também ressaltadas por Fernando Guedes, em 2016: a inovação permanente e a distribuição própria. Guedes reconhece que no universo do vinho é preciso ter tradição, mas ao mesmo tempo é necessário “dotar a empresa de uma perspectiva permanente de busca da inovação”, em suas palavras. E ele ressalta que a inovação deve estar em toda a gama da empresa: novas tecnologias produtivas, novas formas de conquistar consumidores, novas formas de gerar negócios, novos produtos. Uma das tecnologias é o WineBioCode, um sistema desenvolvido em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e outras entidades, que permite identificar a casta de uma uva no campo, a partir do DNA, com alta rapidez – na foto abaixo, o Douro, milenar região de pesquisas com uvas.

Mas talvez as principais “novidades inovativas“ estejam na forma de conquistar consumidores. De olho na renovação da base de consumidores, a Sogrape vem realizando com sucesso eventos para experimentar e promover coquetéis criativos com vinhos do Porto no grande mercado consumidor deste produto, o Reino Unido. Os jovens “millenials” como o da foto abaixo estão adorando a experiência.

Mas o caso mais interessante de inovação para conquistar novos consumidores é um vinho lançado em agosto deste ano nos Estados Unidos, no qual Fernando Guedes aposta muito; é tão recente que nem consta do site da empresa e posso considerar que se trata de uma notícia em primeira mão para o leitor de “In Vino Viajas”. O novo produto é o “Silk & Spice” e segundo Guedes, “trata-se de um red-blend que foi desenvolvido especificamente e exclusivamente para atender um segmento de consumidores dos Estados Unidos, pessoas que buscam um vinho descomplicado”. A Sogrape desenvolveu o sabor, a garrafa e a embalagem baseada em pesquisas; no rótulo foi colocado um mapa-mundi com roteiros da “rota da seda” feita por viajantes portugueses – muito bonito, veja abaixo.

Distribuição própria

Outro aspecto valorizado por Fernando Guedes como provável razão do desempenho da Sogrape é o fato de ser global com distribuição própria.“Evidentemente temos muitas parcerias na distribuição e isso é importante, mas quando nós mesmos somos os responsáveis pela gestão do processo, temos mais facilidade para cumprir nosso compromisso fundamental de fazer amigos antes de fazer negócios”, Guedes explica. E complementa: “E distribuição própria é mais ágil e nos permite manter a identidade desta empresa familiar e global, tradicional e inovadora que procuramos criar”.

Brindo a isso e à oportunidade de continuar escrevendo sobre boas idéias e produtos excepcionais, e a poder continuar admirando o trabalho das pessoas inteligentes que produzem vinhos como parte de uma cultura comunitária. Tim-tim!!

Saiba mais sobre a Sogrape:

Veja a entrevista original em http://www.invinoviajas.com/2016/09/exclusivo-6-motivos-pelos-quais-sogrape/

Conheça a historia da marca Sandeman aqui: https://www.invinoviajas.com/2017/06/conheca-don-sandeman/

Conheça a Quinta do Seixo, no Douro, aqui: https://www.invinoviajas.com/2017/01/quinta-do-seixo/

Veja o desempenho da Sogrape em prêmios, em 2015 aqui: https://www.invinoviajas.com/2015/07/na-batalha-pelo-mercado-internacional/

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