Indicação Geográfica, a arma para acabar com o bullying mercadológico sofrido pelos produtos locais, pequenos e caipiras

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Rogerio Ruschel

Meu prezado leitor ou leitora, vivemos tão profundamente amortecidos pela pressão da globalização, que muitas pessoas não percebem a importância estratégica e os valores que nossos produtos locais, pequenos e caipiras também têm. Infelizmente os players globais trabalham para incutir no mercado a falsa ideia de que se um produto for estrangeiro será melhor do que um produto brasileiro – e tem feito isso com tal sucesso que empreendedores nem pensam na hipótese de investir em produtos locais, porque são “desconhecidos”. Isso é um tipo de bullying – um bullying mercadológico da pior espécie, do tipo de tenta fazer que pequenos produtores tenham vergonha de seu produto e de si mesmo.

Este é um ciclo vicioso que precisa ser rompido: o fato dos pequenos produtos locais não serem “famosos” é porque vivem isolados, não tem apoio de marketing e não tem branding – e por isso continuam desconhecidosm realimentando o processo.

Mas a pandemia mostrou que isso é bobagem, porque o que de fato ajudou pequenos municípios foi o desenvolvimento de campanhas do tipo “prefira o produto local no comércio local”.

Então é preciso acabar com este ostracismo mercadológico. Já temos vários exemplos clássicos que demonstram que quem “se atreveu” a romper o cliclo está se dando bem. Temos ótimos exemplos de como a associação de um produto ou serviço com sua Origem em uma Identidade Territorial – especialmente através de uma Indicação Geográfica – diferencia e protege; agrega valor cultural, econômico, politico e social; cria um ciclo virtuoso com o Território e a Comunidade. Entre estes exemplos estão o Café do Cerrado Mineiro, queijos Canastra, Serro e Araxá, Pão de Queijo de Minas, cacau Sul da Bahia, cachaças de Paraty e Salinas, sete regiões vinícolas – e outros mais de 100 produtos brasileiros que já tem uma Indicação Geográfica. 

A associação de um produto ou serviço com uma Identidade Territorial pode ser feita via Indicação Geográfica (exemplo, mármore de Carrara), Metodologia de Produção (exemplo vinho de Talha) ou Matéria-prima (exemplo presunto Pata Negra).

Como demonstro com clareza no meu livro “O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing“ (Editora Senac – disponível na Amazon, Essential Idea Editora, Livraria da Vila) o trabalho de agregação de valor a um produto ou serviço local com sua Identidade tem grande impacto positivo. Ao contrário de produtos padronizadamente globais, que não são de lugar nenhum porque querem ser de todos os lugares, um produto com Indicação Geográfica pode permitir um posicionamento de valor mercadológico, social e econômico.

Muitos destes impactos têm importância de ESG (Environmental, Social and Governance) para as corporações porque são valores que constroem percepção de pertencimento do cidadão à sua comunidade, o que produtos globais não conseguem. Quer ver só? O investimento na valorização da origem e identidade de um produto ou turismo atua como ferramenta de desenvolvimento comunitário sustentável de base local, porque tem a maior parte da sua cadeia produtiva no território. E isso tem várias consequências positivas:

  • Aumenta a renda dos produtores e a geração de empregos locais
  • Impulsiona cadeias produtivas de base local
  • Estimula a ação cooperada e a sinergia no aproveitamento dos recursos
  • Aumenta a auto-estima da comunidade
  • Aumenta a autonomia da comunidade, reduzindo a dependência de ações ou vontades políticas
  • Valoriza conhecimentos tradicionais
  • Valoriza propriedades rurais, reduzindo o esvaziamento habitacional
  • Preserva a biodiversidade e os recursos ecossistêmicos
  • Transforma as áreas rurais em locais de consumo

Qual empresa internacional não adoraria poder elencar estes benefícios no seu Relatório Anual de Sustentabilidade? E muitas tentam fazê-lo, como um estrangeiro querendo se passar por comunitário por conhecer duas ou três expressões locais.

Mas o investimento na valorização da origem e identidade do turismo ou de um produto local, também oferece outros benefcios como o ciclo virtuoso, a sustentabilidade e o Duplo Branding.

Ciclo virtuoso: Um produto local ao ter a sua imagem de qualidade reforçada, ajuda a valorizar o Território, o que facilita atrair turistas e investidores. E a imagem positiva do Território, por sua vez, valoriza os produtos e serviços daquele Território, estabelecendo um ciclo virtuoso para a região e comunidade. O exemplo mais fácil de entender está na gastronomia, onde pratos de sabor local atraem turistas e “exportam” a fama da cidade.

Atividade sustentável: Uma estratégia de marketing valorizando a Indicação Geográfica de um produto é um mecanismo promotor de desenvolvimento sustentável de base local. Isso porque, como por definição o produto ou serviço é realizado localmente, naquele território, sua produção mobiliza cadeias produtivas locais, gerando emprego e renda para moradores, atraindo talentos e oportunidades de negócios para empreendedores, investidores, empresas e para o poder público do território.

Duplo branding: Outro benefício de uma estratégia de marketing valorizando a Indicação Geográfica de um produto é que ela permite ao mesmo tempo um posicionamento Global e Local ao produto, e com isso oferece a oportunidade rara de se fazer Duplo Branding. Se você é um gestor de branding e nunca ouviu falar nisso, não se preocupe: este é um conceito que você não aprendeu na Faculdade porque gestores de produtos globais (que são o foco dos cursos de branding e marketing) não tem interesse em divulgar. Mas se parassem para pensar, saberiam que este conceito está em livros de marketing de grandes papas globais do ramo, como resumo na imagem deste post.

Explico: gestores de marcas de produtos com uma Indicação Geográfrica podem usar de maneira inteligente os diferenciais do produto em si (ao mostrar seus benefícios e desempenho em relação a similares globais) SOMADOS aos benefícios de pertencimento comunitário ao território do qual procedem – e que são EXCLUSIVOS. Quer dizer, o meu produto é competente o suficiente para competir com os “estrangeiros” e tem uma vantagem extra sobre eles: é “MADE IN CASA”.

O que você pensa sobre isso?

Veja um pequeno video que mostra como produtores da Bahia superaram este bullying mercadológico – https://youtu.be/5rTu3U_IcbA    

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