Especialista europeu demonstra o valor do mar e a importância de planejar o uso deste patrimônio de maneira sustentável

Tempo de leitura: 9 minutos

Por Rogerio R. Ruschel, fotos de Guta de Carvalho.

Entrevista exclusiva com o Professor Miguel Marques. Prezado leitor ou leitora, o que seria do vinho branco sem a companhia de frutos do mar? E do turismo sem a praia, o sol e os biquinis? No Brasil como íamos homenagear Nossa Senhora dos Navegantes ou Iemanjá? O mar é um local para fazer surf, pegar um bronzeado, fazer um cruzeiro ou pescar um salmão, mas é também um território de importância social, econômica, cultural, histórica, ambiental, científica e geopolítica de interesse coletivo. O mar é responsável por pelo menos 2,5% do PIB mundial e por 31 milhões de empregos diretos e em tempo integral. E no Brasil?  Entrevistei em Portugal o professor José Miguel Dantas Maio Marques, da Universidade de Coimbra, Partner da PWC Portugal e um dos maiores especialistas em Economia do Mar do mundo. A entrevista foi publicada pela revista brasileira “Iate” em Maio de 2017 para uma seleta plateia de leitores, mas, por sua importância apresento para você, com exclusividade, aqui no In Vino Viajas. Na foto abaixo o Prof. Marques apresenta um dos relatórios semestrais sobre a economia do mar no mundo.

O Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva oceânica do Brasil somam 3,6 milhões de km² (por enquanto). Esta área – denominada pela Marinha Brasileira de “Amazônia Azul” – é um dos mais importantes patrimônios da nação e segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística cerca de 68 atividades econômicas no país dependam do mar e das águas interiores. Mas nos falta planejamento de longo prazo e temos poucas políticas públicas que avaliem, protejam e utilizem este patrimônio de maneira holística e sustentável. Podemos aprender com muitos países – e Portugal é o melhor deles, por várias razões. Portugal tem um território físico 92 vezes menor do que brasileiro, mas uma Zona Econômica Exclusiva bastante ampliada por causa dos arquipélagos de Madeira e Açores (maior do que a brasileira), e é um dos países que melhor pesquisa, avalia, monitora e gerencia a utilização dos recursos do mar. Esta posição foi consolidado em uma “Estratégia nacional para o Mar 2013-2020” que em 2013 representou para o país cerca de 4,7 bilhões de Euros (3,1% do PIB), empregou 160.000 pessoas e sustentou a existência de 60.000 empresas. O que o Brasil poderia aprender com os portugueses para utilizar com mais eficiência este importante recurso econômico? Miguel Marques fornece algumas respostas oportunas.

In Vino Viajas – Qual o volume global do PIB da Economia do Mar?

Miguel Marques – As estatísticas mundiais sobre as diversas atividades marítimas como portos, transportes marítimos, construção naval, pesca, aquacultura, turismo, biotecnologia, energia, banca, seguros não são muitas, mas recentemente foi publicado um estudo da OCDE (“The Ocean Economy in 2030”) que indica que em 2010 as indústrias do mar representaram cerca de US$ 1,5 trilhão (2,5% do PIB bruto no mundo), e seriam responsáveis por 31 milhões de empregos diretos e em tempo integral. O quadro acima informa os principais setores.

In Vino Viajas – Porque valorizamos tão pouco os recursos do mar se mais de 70% do planeta é coberto por oceanos?

Miguel Marques – O ser humano é um ser terrestre que necessita de água doce, de ar e de estar seco para sobreviver, então é normal que valorize mais os recursos existentes em “terra firme”, do que os recursos que estão num espaço molhado, que se mexe e cuja água está saturada de sal. Desde sempre o ser humano teme a força dos oceanos e por isso, com raras exceções, vive de costas voltadas para o mar. Mas os recursos do mar não são menores do que os da terra firme; nós, seres humanos, é que valorizamos menos os recursos do mar. Há cerca de 100 anos acreditava-se que não existia vida para lá dos 600 a 700 metros de profundidade porque se acreditava na ideia de que a vida animal, principalmente a vegetal, necessita de luz para que aconteça a fotossíntese. No entanto hoje em dia sabemos que existe vida no mar profundo. O elevado ritmo de crescimento da população mundial está a esgotar os recursos em terra firme, fazendo subir os preços dos mesmos, acabando por viabilizar projetos de aproveitamento dos recursos marinhos. Esperemos que este avanço do ser humano sobre o mar seja feito de uma forma sustentável, ou seja, sem provocar danos no ambiente que afetem o futuro das próximas gerações.

In Vino Viajas – Qual o valor do Mar para a Economia portuguesa? Quais os setores prioritários para a Economia do Mar de Portugal?

Miguel Marques – Portugal é um dos países mais avançados na quantificação do valor da Economia do Mar. Foi o primeiro país no mundo a criar uma conta satélite para o mar. De uma forma geral, uma conta satélite é uma compilação de valores retirados da contabilidade nacional com referência a um setor ou vários setores da economia. Tive o privilégio em participar nesse trabalho a pedido do Cluster do Mar de Portugal (Fórum Oceano) e avaliando dados relacionados ao cluster do Mar nos anos de 2010 a 2013 chegamos a conclusão que a Economia do Mar atinge cerca de 3,1% do PIB de Portugal. O turismo, a fileira alimentar (cadeia produtiva) do mar e os portos e serviços marítimos são as indústrias mais relevantes na Economia do Mar de Portugal – veja o quadro acima.

In Vino Viajas – Como o governo português se organiza e se associa à iniciativa privada em relação a Economia do Mar? Quais as políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento da atividade em Portugal?

Miguel Marques – Os Governos em Portugal têm dado crescente importância ao tema da Economia do Mar. Atualmente até existe um Ministério totalmente dedicado ao Mar liderado pela Engenheira Ana Paula Vitorino, uma pessoa muito experiente nestas matérias, particularmente no setor dos portos e transportes marítimos. Existe também em Portugal um cluster dedicado ao mar, chamado Fórum Oceano e outra das formas de interligação entre todos os agentes do mar é a convocação de reuniões da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, realizada todos os anos em Portugal. E como Portugal é um Estado-Membro da União Europeia, existem diversos fóruns da União Europeia dedicados às indústrias do mar, dos quais Portugal participa. Na foto abaixo o Professor Marques apresenta um dos relatórios semestrais sobre a economia do mar no mundo.

In Vino Viajas – Quais as políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento da atividade em Portugal?

Miguel Marques – Entre as mais impactantes políticas públicas estão a política de investimentos e modernização dos portos portugueses que têm feito crescer bastante o volume de carga que passa pelos portos; a política de pescas que tem conseguido recuperar os estoques de peixe e as políticas de promoção de Portugal como um destino de excelência em termos de mar, que tem feito crescer significativamente o número de passageiros de cruzeiro e de nautas a Portugal. Existe ainda muito por fazer em termos do desenvolvimento da Economia do Mar em Portugal, no entanto, parece-me que a trajetória está no bom caminho.In Vino Viajas – Qual a importância da Economia do Mar do Brasil no cenário internacional?

Miguel Marques – É menor do que poderia ser, considerando o volume de sua economia e dimensões territorias, mas está se desenvolvendo. O quadro acima apresenta os principais Indicadores da Economia do Mar do Brasil segundo o estudo PwC HELM Circumnavigation Brazil December 2015”, realizado pela PricewaterHouseCoopers de Portugal. O Instituto Fernando Henrique Cardoso é uma das raras organizações brasileiras que realiza eventos sobre a Economia do Mar (com palestrantes brasileiros e estrangeiros), como este da foto abaixo.

In Vino Viajas – Quais aprendizados Portugal poderia oferecer para o desenvolvimento sustentável da Economia do Mar no Brasil?

Miguel Marques – Penso que Portugal e Brasil têm tudo a ganhar com o reforço da cooperação em termos de matérias marítimas, não só pela história comum, mas acima de tudo por terem um mar com características semelhantes, nomeadamente a sua elevada profundidade. Alguns dos contributos que Portugal pode dar estão ao nível da quantificação da Economia do Mar, do know-how em termos de construção naval, da excelente experiência logístico-portuária, da qualidade na transformação e conservação do pescado e da atração de cruzeiristas e de nautas.

In Vino Viajas – Que outros países tem atividades relacionadas a Economia do Mar com os quais o Brasil poderia obter aprendizados potencialmente importantes?

Miguel Marques – Para além da experiência Portuguesa, o Brasil deve estar atento à experiência da Noruega, no que respeita a petróleo offshore, ou a experiência dos Estados Unidos da América no que respeita a cruzeiros, ou Singapura no que respeita a portos, ou Japão no que respeita à construção naval, entre outros países.

As fotos são de autoria de Guta de Carvalho. O Professor Miguel Marques vai participar com estudos inéditos de um livro sobre “O Valor do Mar” que está sendo preparado pela editora brasileira Essential idea Editora (http://www.essentialidea.com.br/ ), que tem previsão de lançamento para março de 2018.Tive a oportunidade de entrevistá-lo para a Revista Iate no restaurante Casa de Chá da Boa Nova, um belissimo projeto que fica literalmente a menos de 10 metros do mar em Leça da Palmeira, Matosinhos, na região metropolitana da cidade do Porto, projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza Vieira, ganhador do Prêmio Pritzker, o “nobel” da arquitetura em 1992 e que serve a alta gastronomia do chef português Rui Paula, um dos mais badalados do país (veja o link mais abaixo).

Na foto acima a lembrança deste contato com Miguel Marques e abaixo o link para a matéria sobre a Casa de Chá da Boa Nova, o restaurante de Matosinhos, Porto, Portugal, que é Monumento Nacional – http://migre.me/vX0Fd

4 Comentários


    1. Obrigado, Carlos, como sempre, incentivando meu trabalho. Abraços, Rogerio

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  1. Ótima entrevista meu caro! O mar é um dos nossos maiores tesouros que temos nesse planeta.

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