Jorge Tonietto, da Embrapa Uva e Vinho, conta tudo que você precisa saber sobre as Indicações Geográficas do Brasil

Tempo de leitura: 14 minutos

Por Rogerio Ruschel, editor

Exclusivo – Entrevista com o Jorge Tonietto, Pesquisador de Zoneamento/Indicações Geográficas da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves/RS, Brasil

Meu caro leitor ou leitora, precisamos valorizar nossos recursos ampelológicos e humanos. Por isso publico hoje uma entrevista com Jorge Tonietto, que trabalha com Pesquisa e Desenvolvimento na Embrapa Uva e Vinho – uma das organizações da Embrapa, empresa de excelência em pesquisa agronômicas. O Dr. Tonietto (na foto acima, de Viviane Zanella) é Engenheiro agrônono com especialização em Viticultura e Enologia em Climas Cálidos pela Universidad de Cádiz, Espanha; Mestrado em Fruticultura de Clima Temperado, no Brasil e Doutorado em Biologie de L’évolution et Ecologie pela École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellier, França. Aprendeu a trabalhar com uvas de climas temperados e tropicais, quentes e frios. E a partir de agora compartilha um pouco deste conhecimento com os leitores de In Vino Viajas.

“As Indicações Geográficas (IG) trazem uma nova filosofia para organizar e valorizar a produção vinícola.”

Rogerio Ruschel – Numa visão histórica, desde 1937 com a criação do Laboratório Central de Enologia no RJ, quais as cinco principais contribuições da Embrapa Uva e Vinho para nossa vitivinicultura?

Jorge Tonietto – Em 1975, quanto a Unidade da Embrapa de Bento Gonçalves foi criada, ela tinha abrangência estadual. Posteriormente se transformou no Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho. Além da sede, a Unidade possui duas Estações Experimentais: a Estação de Viticultura Tropical (EVT), em Jales (SP), e a Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado (EFCT), em Vacaria (RS). Desenvolve ações de pesquisa com uva, vinho, maçã e outras fruteiras de clima temperado. Dentre as dezenas de tecnologias geradas, destaco a criação de diversas novas variedades de uvas de mesa (BRS Clara, BRS Isis, BRS Linda, BRS Melodia (abaixo, na foto de João Henrique Figueiredo), BRS Morena, BRS Núbia, BRS Vitória, Zilá, Tardia de Caxias) e para processamento (BRS Bibiana, BRS Carmem, BRS Cora, BRS Lorena, BRS Magna, BRS Margot, BRS Rúbea, BRS Violeta, Concord Clone 30, Isabel Precoce, Moscato Embrapa). É um resultado de sucesso da pesquisa, mesmo comparando- se com o que é gerado nos países desenvolvidos. Outro ponto alto foi a liderança na implantação da primeira Produção Integrada de Frutas, para maçã, que agora já permeia diversas culturas, incluindo as uvas para processamento, reforçando a sustentabilidade ambiental. Na área vitivinícola destaco a estruturação das indicações geográficas de vinhos, também conseguido numa ação pioneira da Embrapa Uva e Vinho no Brasil, num trabalho iniciado na década de 1990.

Rogerio Ruschel – Onde estão os melhores terroirs do Brasil, entre os já conhecidos e utilizados? E em que regiões ou estados poderemos ter terroirs com bom potencial para vinhos entre os que ainda não são conhecidos ou não foram utilizados? São Paulo? Mantiqueira? Cerrado?

Jorge Tonietto – Como diz o termo “terroir”, o que dá certo tende a multiplicar-se no setor produtivo, constituindo uma coletividade de produtores, formando as regiões vitivinícolas – os territórios do vinho. Isto está presente na tradicional Serra Gaúcha e outras, bem como em diversas novas regiões que surgiram no Brasil a partir dos anos 1980 – Campanha Gaúcha, Serra do Sudeste e Vale do São Francisco, ou ainda, nas mais recentes, como a dos vinhos de altitude em Santa Catarina – incluindo São Joaquim, e nos Campos de Cima da Serra no Rio Grande do Sul. Mas temos outras regiões que estão despontando, como aquelas dos vinhos tropicais de altitude em diversos estados, incluindo São Paulo, Minas Gerais ou na Chapada Diamantina na Bahia. Mas, pelo visto nas últimas 4 décadas, o Brasil não deve parar por aí. Excluindo-se os climas tropicais úmidos, existem diversas regiões que poderão ser exploradas na produção de vinhos. A atividade se estabelece quando há um encontro entre o potencial vitícola – clima, solo, adaptação de variedades, associado à tecnologia enológica – tudo ajustado para cada território.

Rogerio Ruschel – Quais as tres castas de uvas que poderiam se candidatar a ser “a uva que melhor expressa os terroirs do Brasil”?

Jorge Tonietto – Para mim o terroir não é uma casta. É mais do que isto – é uma criação de caráter complexo, do saber humano “em parceria” com o meio natural, que o produtor vitivinícola revela no vinho. Um ótimo exemplo disto é o do espumante fino da Serra Gaúcha. Este produto, que é um produto de terroir, tem como uvas altamente identitárias a Chardonnay, a Pinot Noir e a Riesling Itálico, perfeitamente adaptadas e parte deste terroir, que se consolidou na vertente de uma conjunção de fatores do meio geográfico, incluindo clima, solo, variedades e expertise nas práticas enológicas, tudo consolidado num saber-fazer regional.

Rogerio Ruschel – Vinho é um produto globalizado porque concorrentes de várias partes do mundo estão à venda no supermercado da esquina. Por isso produtores de vinhos do Brasil tem que ser competitivos globalmente. Somos competitivos em qualidade? E em preço? Quais nossas melhores “armas” para aumentar nossa competitividade?

Jorge Tonietto – Vou falar apenas de uma arma para aumentar nossa competitividade, justamente no tema em que trabalho. Trata-se das Indicações Geográficas (IG), que incluem as Denominações de Origem (DO). Elas trazem uma nova filosofia para organizar e valorizar a produção. Tudo está embasado na estruturação da produção nos territórios do vinho para oferecer produtos de qualidade e originais ao mercado consumidor. Pela seriedade deste trabalho com que os produtores estão empenhados, articulados em associações (Aprovale, Asprovinho, Apromontes, Afavin, Aprobelo, Progoethe, Vinhos da Campanha Gaúcha, Vinho de Altitude de Santa Catarina, Vinhovasf), os consumidores vão ver crescer a oferta de vinhos de qualidade dos terroirs do Brasil.

“Embora ainda não seja tão perceptível, a verdade é que o Brasil fez um trabalho de estruturação de IGs e DOs com uma velocidade que jamais seria imaginada.”

Rogerio Ruschel – A valorização da origem é parte fundamental da estratégia de marketing de um vinho no mundo todo. Porque o Brasil tem tão poucas certificações de origem (DOs ou IGs)? E porque não as valorizamos como os europeus? O que a Embrapa Uva e Vinho pode fazer para ajudar a modificar isso?

Jorge Tonietto – Embora ainda não seja tão perceptível, a verdade é que o Brasil fez um trabalho de estruturação de IGs e DOs com uma velocidade que jamais seria imaginada. Enquanto que na Europa o tema se desenvolveu sobretudo a partir do início do século XX (a França comemora neste ano o centenário da primeira lei das apelações de origem que é de 1919), no Brasil, a primeira IG (Vale dos Vinhedos) foi reconhecida há apenas 16 anos, em 2002. Hoje já temos no Brasil reconhecidas as IGs Pinto Bandeira, Altos Montes, Monte Belo, Farroupilha, Vales da Uva Goethe, além da DO Vale dos Vinhedos. Estão em vias de estruturação para reconhecimento: Campanha Gaúcha, Vale do São Francisco, Altos de Pinto Bandeira e Vinhos de Altitude de Santa Catarina (2.Mapa e 3.Vinho). A Embrapa Uva e Vinho, em parceria com outras instituições de PD&I e os produtores organizados em associações, foi pioneira neste tema no Brasil – incentivou o pais a entrar nesta temática e coordenou a maioria dos projetos que possibilitaram chegar à situação atual. As condições estão sendo criadas e o Brasil será reconhecido de forma crescente pelas IGs e DOs dos diferentes territórios do vinho, seja no Brasil quanto no exterior.

 

Rogerio Ruschel – Se as DOs e IGs brasileiras de vinhos seguem modelos europeus de organização, e o enoturismo já está representando mais de 1/3 do faturamento das vinícolas, porque nossas Rotas de Vinhos em DOs e IGs não tem identidade juridica própria, plano de ação, diretoria, vida econômica própria, como na Europa?

Jorge Tonietto – É certo que há um potencial enoturístico muito grande a explorar no Brasil no tema das DOs e IGs. É só imaginar a diversidade de experiências que cada IG e DO pode proporcionar aos turistas, possibilitando uma imersão num mundo tão rico, que envolve o patrimônio cultural, os valores imateriais, a paisagem construída, as particularidades do terroir e a qualidade diferencial dos vinhos. Tudo isto no contato com o produtor de uvas e vinhos. Entendo que as IGs e DOs são um prato cheio para o enoturismo. Já foram feitos avanços significativos, a exemplo do que ocorre no Vale dos Vinhedos sob a liderança da Aprovale. Mas temos que considerar também que tudo tem seu tempo para se desenvolver plenamente. A verdade é que o enoturismo está ganhando importância no Brasil, inclusive como elemento de viabilização do negócio do vinho, aproximando o consumidor do produtor e do produto brasileiro.

“Entendo que as IGs e DOs são um prato cheio para o enoturismo.”

Rogerio Ruschel – Quanto tempo, em média, leva um projeto de pesquisa da Embrapa Uva e Vinho? Por exemplo: quanto tempo e quantas pessoas se dedicaram ao desenvolvimento das uvas BRS Melodia (sem sementes, para mesa) e BRS Vitoria ou BRS Isis, para vinificação?

Jorge Tonietto – Posso falar dos projetos de estruturação de IG e DO de vinhos. Não são ações curtas no tempo, pois a Embrapa sempre busca desenvolver projetos estruturantes, que dêem forte suporte de conhecimento e tecnologia ao produtor, para que ele explore o território no seu melhor potencial, incluindo os microclimas, os solos, a adaptação das variedades e seus clones, além de apoiar a geração dos estudos e comprovações exigidas para o reconhecimento de IG ou DO. E os projetos são dinâmicos para atender demandas cada vez mais especializadas – hoje temos projetos de apoio às Indicações Geográficas, selecionando leveduras nativas para fortalecer o elo entre o produto e sua origem. Também estamos selecionando os melhores clones para cada IG e DO. Normalmente trabalhamos com projetos de 3 a 4 anos de duração.

Rogerio Ruschel – No Brasil temos uvas (italianas e francesas) gerando bons vinhos em altitudes de até 1.400 m, como em Santa Catarina. Na Europa existe produção em regiões tão elevadas quanto estas? Exportamos este know-how?

Jorge Tonietto – O tema da viticultura de altitude é menos uma questão de know-how e mais um tema de climatologia. No Brasil temos vinhedos de altitude que chegam aos 1400 metros acima do nível do mar na região de São Joaquim em Santa Catarina, por exemplo. Na Bolívia há vinhedos muito mais altos. Isto está bastante associado à latitude e localização geográfica da região. Já na Europa, as áreas mais altas situam-se ao redor dos 1000m de altitude, como nos vinhedos mais altos do Vale de Aosta por exemplo. Nas regiões mais altas da Europa o cultivo da videira não é mais possível por serem regiões muito frias, onde as plantas não resistem ao frio ou então não conseguem maturar corretamente as uvas para elaboração de vinhos.

“A técnica da poda inveertida teve um desenvolvimento importante orientado pela Epamig, empresa de pesquisa agropecuária do estado de Minas Gerais.”

Rogerio Ruschel – Poda invertida: como funciona? Quem implantou no Brasil? Que beneficios oferece para a produção vitivinicola brasileira em relação ao mercado internacional? Exportamos este know-how?

Jorge Tonietto – A poda invertida é importante na produção de vinhos tropicais de altitude (chamados vinhos de inverno), encontrada em alguns estados brasileiros, como em São Paulo, Minas Gerais e outros. A técnica teve um desenvolvimento importante orientado pela Epamig – empresa de pesquisa agropecuária do estado de Minas Gerais. Nas regiões vitícolas de clima temperado, temos apenas um ciclo vegetativo da videira e uma colheita por ano, seguido do inverno, onde a planta entra em repouso. A técnica da poda invertida pode ser aplicada às regiões que apresentam clima com o potencial para dois ciclos vegetativos por ano: no período chuvoso do ano o ciclo da videira não objetiva colher uvas para vinificação; é no ciclo de inverno que se produz a uva, pois apresenta temperaturas amenas e ocorre no período seco do ano, possibilitando uma adequada maturação das uvas para a elaboração de vinhos finos de qualidade. A viticultura tropical no mundo apresenta situações assemelhadas, porém distintas, sobretudo nos climas de monções da Ásia (Índia, Tailândia e outros), onde os vinhedos destinados à elaboração de vinhos são conduzidos em dois ciclos por ano – um no período úmido do ano, onde não se produzem uvas, e outro no período mais seco do ano no qual as uvas dão origem aos vinhos tropicais.

“Os vinhos tropicais são um convite à descoberta desta nova geografia que passa a integrar a vitivinicultura mundial.”

Rogerio Ruschel – A Embrapa desenvolveu o conceito de viticultura tropical (mais de uma safra por ano). Como é possivel ter no Nordeste brasileiro vinhedos com mais de uma safra por ano? Existe alguma perda de qualidade por parte da uva (açúcar, minerais, produz menos casca, “cansa” a videira) quando isso acontece? Exportamos este know-how?

Jorge Tonietto – De fato, o Brasil é um país de vanguarda mundial no desenvolvimento científico e tecnológico da viticultura tropical – aquela que apresenta potencial para mais de um ciclo da videira por ano, com uma ou mais safras por ano. Quando a produção de uvas é destinada à vinificação, resulta os chamados vinhos tropicais. Esta condição é possível pela ocorrência de temperaturas nos diferentes meses do ano que possibilitam à videira vegetar ao longo do ano. Esta condição, aliada a técnicas de manejo dos vinhedos, com variedades adaptadas para cada região, e pelo uso da irrigação, possibilitam a produção de uvas e a elaboração de vinhos em todos os meses do ano no caso do Vale do São Francisco, por exemplo. Esta região apresenta uma condição original e exclusiva da viticultura tropical, não encontrada na Europa obviamente. Os vinhos de qualidade destas regiões apresentam qualidades e características próprias, influenciadas pela climatologia destas regiões e a tudo o que está associado à produção nestas condições. Eu diria que se trata de um novo capítulo da história da vitivinicultura mundial, agora formada pela produção nas regiões tradicionais – sobretudo na Europa, pela produção dos países do novo mundo vitivinícola e, mais recentemente, pelos produtores dos vinhos tropicais, com suas regiões situadas na zona intertropical do planeta. Os vinhos tropicais são um convite à descoberta desta nova geografia que passa a integrar a vitivinicultura mundial.”

Brindo a especialistas como Jorge Tonietto.

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