Conheça a arquitetura de J. Marino Pascual, o espanhol que inventou a vinícola-com-cara-de-museu e o enoturismo do século XXI

Tempo de leitura: 10 minutos

 

Por Rogerio Ruschel (*) 
EXCLUSIVO Na Europa de hoje uma vinícola tem que ser um local atraente, luminoso e que oferece cultura e produtos a seus visitantes – um local de primeira classe, quase um museu que vende imagem, vinhos e serviços turísticos como gastronomia, degustações, cursos, palestras, debates, as vezes hospedagem e até desfiles de moda. Este é o unico jeito de competir pelos milhões de turistas anuais, e assim são as vinícolas espanholas criadas pelo arquiteto espanhol Jesus Marino Pascual, que estão ajudando o país a bater recordes de turismo e venda de vinhos, e que In Vino Viajas apresenta  nesta entrevista exclusiva. Por exemplo, veja acima uma foto do projeto para o Centro de la Cultura de La Rioja; abaixo, foto da área de uso operacional da Vinicola Darien, concebida também para ser visitada pelo turista. Não são duas obras com o mesmo DNA artístico?

Isso ainda é uma novidade no mundo vinícola do Brasil. Mas a diferença entre vinícolas brasileiras e espanholas é muito maior do que um projeto arquitetônico: tem a ver com a percepção da importância do turismo nos negócios da empresa, que por aqui é uma raridade de poucos empresários. “No Brasil há uma grande carência de equipamentos culturais ligado a processos produtivos.” lembra o arquiteto espanhol Jesus Marino Pascual, criador em 2004 do Museu Vivanco da Cultura do Vinho de La Rioja, em Logroño, considerado pela Unesco o melhor do mundo em enoturismo. Pascual, nascido em Navarra, trabalha com edificios e unidades residenciais, patrimônios, prédios comerciais e urbanismo, mas ficou conhecido como o renovador da indústria vinícola da Espanha associada ao enoturismo. Alguns dizem que ele inventou um padrão arquitetônico para o enoturismo do século XXI. Em seu portfólio estão obras como as sedes das vinícolas Darien, Irius e Antión – frequentemente listados entre as mais bonitas da Europa – e projetos culturais como o Centro de la Cultura de La Rioja e a Estação Enológica de Haro além do Museu Vivanco.

J. Marino Pascual tem procurado ampliar seu trabalho no Brasil, onde já começa a tirar projetos do papel, através de uma parceria com a arquiteta brasileira Vanessa Falcochio Rivera. Veja a seguir entrevista exclusiva que Marino Pascual concedeu para In Vino Viajas, com tradução para o português de Vanessa Rivera. Abaixo, foto do Centro de la Cultura de La Rioja, inaugurado em 2011. 

 

R. Ruschel: Comente a concepção e as soluções desenvolvidas para cada um destes seus grandes projetos: Museu Vivanco, Bodegas Darien, Irius e Antion.

J. Marino Pascual:  “São quatro projetos muito diferentes. O primeiro é um complexo museológico ao lado da Vinícola Vivanco,  unidos pelo subsolo, com a criação de uma sala de barricas muito visitada. É um museu que descreve, desde a antiguidade até os nossos dias, um percurso completo de todas as manifestações culturais no entorno do cultivo da videira e da elaboração do vinho e arquitetonicamente está concebido para gerar uma contínua referência à tradição vitivinícola. O projeto tem como objetivo ajudar a tornar a visita prazerosa, variada e dinâmica, visualizando espaços sem deixar a sala anterior e surpreendendo o visitante com dinâmicas e cores.” Veja abaixo algumas fotos do projeto do Museu Vivanco.

 

“Os outros três projetos já tratam de vinícolas para elaboração de vinhos e enoturismo, mas são muito diferentes entre si, dada sua localização geográfica e seu diferente entorno paisagistico.
A Irius (inaugurado em 2008, em Barbastro – veja fotos abaixo) é projetada como o centro de um grande vinhedo (90 Hectares) e para produzir cerca de 3 milhões de litros, no topo de uma suave colina de uma paisagem protegida (e aquí protegida significa patrimônio) e portanto, fazendo das limitações uma virtude.
“A Darien (Logroño, 2007) está localizada em uma encosta (desnível entre duas plataformas muito próprias da paisagem de La Rioja) e foi projetada para produzir 600 mil litros, acompanhada de um entorno paisagísticorepleto de vinhedos (as Bodegas Marqués de Murrieta, Marqués de Vargasw e outras).” Veja fotos mais abaixo.
A Antión (2008) por sua vez se encontra em um entorno edificado de um povoado chamado Elciego, de grande tradição vitivinícola, com marcas como Marqués de Riscal e Domeq. Se trata de um terreno de forma muito irregular e cuja formalização tem a ver com essa configuração. No entanto, conseguimos uma grande e avançada funcionalidade e resultou, por sua vez, muito atraente.”
Veja abaixo fotos do projeto para a Vinícola Darién.

 

R. Ruschel: Existe algum elemento ou característica que relacione estes projetos entre si? Algum elemento que identifique o perfil do criador?
J. Marino Pascual: “Efetivamente dentro de grandes diferenças arquitetonicas que os quatro projetos oferecem, todos os quatro têm em comum um legado que vem do grande impulso que o Museu Vivanco gerou ao Enoturismo. Um conceito que agora é comum, mas não foi assim no início do século XXI na Europa. Os projetos das três vinícolas não atendem somente de maneira excepcional e com avançada funcionalidade a operação da vinícola e a qualidade de sua construção, mas também criaram uma nova concepção da vinícola como expressão cultural e a consequente reorganização dos seus espaços para atender ao visitante sem interferir nos processos de trabalho. Definitivamente, foram preparadas para o enoturismo, hoje um conceito popular que mudou de certo modo as  regiões vitivinícolas e que gerou uma nova economia.” Veja abaixo fotos do projeto para a Vinícola Antión.

 

R. Ruschel: Qual o papel da arquitetura no desenvolvimento dos negócios de empresas vinícolas e no desenvolvimento do enoturismo?
J. Marino Pascual: “Quando uma vinícola opta por abrir ao visitante, decide se expor publicamente e deve mostrar como elabora seus vinhos e o amor e cuidado com que trabalha. E deve fazê-lo pensando também no visitante, para que a visita seja agradável e confortável e que permita interpretar bem aquilo que se descreve. Portanto, a estrutura espacial deve estar muito bem tratada. Este é o lugar onde aparece o valor da Arquitetura, na necessidade de mesclar boa construção, funcionalidade e beleza de seu marco, de seus espaços, para preparar o visitante para uma adequada e emocional apreciação dos vinhos que ali e elaboram. Não sei se existem pesquisas sobre o impacto da qualidade arquitectonica na avaliação da experiência pelos turistas, mas lembro que em 1999 no Vale do Napa (Califórnia), 30% da produção já era vendida diretamente aos visitantes. Não temos nenhuma dúvida de que a boa arquitetura é um valor inquestioável que reforça o atrativo e o valor de um bom produto. Mas, obviamente, o vinho deve ser de qualidade.” (Abaixo, detalhe de corredor do
Centro de la Cultura de La Rioja).
R. Ruschel: Aparentemente arquitetos da Espanha parecem estar pensando de maneira mais criativa na arquitetura relacionada ao vinho e ao turismo. Existem alguma razão para isso?
J. Marino Pascual: “Na Espanha ocorreu o fenômeno Museu Vivanco em La Rioja (que recentemente comemorou o milionésimo visitante) e imediatamente foi seguido por outras vinícolas. Mas é conhecida a qualidade dos arquitetos espanhóis e o quanto é exigente a sua formação. Acredito que diante da nova concepção de vinícolas, como um laço que combina produção com expressão cultural, vinho e arquitetura, os espanhois estão mesmo destinados a se apaixonar…”

 

 

R. Ruschel: Seu escritório trabalha no Brasil desde quando? Como funciona a parceria com a arquiteta Vanessa Falcochio Rivera?

J. Pascual: Marino. “Em 2012 vim ao Brasil ministrar algumas palestras e tive a oportunidade de conhecer várias cidades. Apreciei o universo de diversidade que constitui este grande país, gostei de seu povo e das pessoas que conheci. Depois, com sucessivas viagens, pude conhecer mais a fundo e  decidir investir esforços e contribuir com conhecimento, experiência e também aprender, já que não pode ser de outra forma, para compreender e entender novas culturas. Os dois escritórios, Espanha e Brasil, se coordenam muito bem e com fluidez. Estamos muito felizes com Vanessa Rivera e no desenvolvimento deste novo caminho. O espectro de trabalho no Brasil se assemelha ao da Espanha, onde somos reconhecidos por nossa amplitude de campos e o amplo espectro de seus trabalhos.” Abaixo a fachada da Vinícola Antión.

R. Ruschel: Quais os projetos em realização e realizados? Como está o projeto do Memorial da Cultura do Vinho para o Instituto R. Dal Pizzol?
J. Pascual Marino: “Neste momento, concluímos um projeto residencial para 120 apartamentos e estamos trabalhando em um segundo projeto de 60 apartamentos, ambos no litoral norte de São Paulo. Estamos envolvidos com um hotel em Bento Gonçalves e na gestão de outros projetos ambiciosos relacionados com a cultura, mas em estágios preliminares, que no momento, não podemos anunciar”.
“Quanto a Dal Pizzol está pendente o processo de captação de recursos. A abordagem básica para o Centro de Interpretação do Instituto foi realizado e apresentado. Uma das nossas áreas reconhecidas é precisamente o nosso compromisso com o patrimônio histórico e artístico e a recuperação, reconversão e adaptação para novos usos, de edifícios de valor patrimonial protegido. Como o caso dos projetos para o Palácio dos Yanguas (Século XVI), o Palácio Argaiz (século XVIII), o palácio Manso de Zuniga (século XIX), a Estação Enológica de Haro (1901), os vestígios arqueológicos da Noguera (III e do século XIV – Roma e Cister) e seu centro de interpretação, em todos os casos a administração pública está envolvida.” Abaixo, J. Marino Pascual.

“Porém, iniciativas privadas como é o caso de Dal Pizzol, não ocorrem na Espanha. É evidente que é necessário potencializar este suporte cultural no Brasil, pois a população está ansiosa para desfrutar de um centro de interpretação como o de Dal Pizzol onde muito conhecimento pode ser transmitido. O Brasil é um país muito jovem e tem muito a oferecer. Pude notar que há uma grande carência deste tipo de equipamento cultural ligado a processos produtivos. Na Espanha, o turismo interno cresceu significativamente nos últimos anos certamente derivado de instalações como as relacionadas ao enoturismo.”

Prezado leitor: faço um brinde ao turismo de qualidade e as empresas que abrem suas portas para conviver com seus clientes.  E desejo que muito em breve tenhamos no Brasil exemplos de equipamentos arquitetonicos e culturais que valorizem aqueles que vivem de produzir vinhos cada vez melhores. Tim-tim!

(*) Rogerio Ruschel é jornalista e edita In Vino Viajas em São Paulo, Brasil, com a proposta de difundir um pouco de cultura para milhares de leitores de 115 países que prestigiam nossa dedicação, para que o vinho seja mais do que uma receita de bebida alcoólica. 

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