Turismo pós-pandemia vai ressurgir valorizando a cultura, os patrimônios territoriais e os valores da comunidade.

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Rogerio Ruschel (*)

Meu prezado leitor ou leitora, como recuperar a indústria do turismo abalada pelo Covid-19? Com cautela e inteligência, apostando em valores de pertencimento exclusivo. Veja porque. Em janeiro de 2017 publiquei um post com o titulo “Porque a cultura popular brasileira, tão rica no folclore, música, artes, literatura e culinária, continua invisível no turismo? “. Creio que a questão foi bem entendida pelos (cultos) leitores de “In Vino Viajas”, porque entre as 560 reportagens do blogue publicadas em 8 anos (que já tiveram 5,8 milhões de acessos no total) esta é a sétima matéria com mais leitores (51.130 acessos hoje), e a mais acessada entre as que abordam específicamente temas brasileiros. (Apenas para comparar, a matéria mais acessada de todas as 560, sobre vinho francês, publicada em 2014, já tem 148 mil acessos.)

Nesta matéria de 2017 já mostrava como nosso turismo continua amador. Entre as causas estão porque copia modelos extenuados de oferta simplificada do mais simples (sol&praia), porque a iniciativa privada deixa que o poder pública tome iniciativas, porque não é percebido como atividade econômica estratégica para o país e também porque o raciocinio de marketing dos envolvidos continua o mesmo dos anos 1970.

Estes e outros problemas estão na raiz do porque continuamos apostando em atrações que não exigem investimento ou qualificação – como a famigerada “sol & praia”, principal tipo de turismo, que para ser “turismo” basta ter praia, toalha, paquera e vendedor de cerveja; bem como porque nossa capacidade de atrair turistas estrangeiras é hilária e a cada ano fica ainda mais ridícula, como o quadro abaixo, publicado no site MktDestinos, de Jeanine Pires, demonstra claramente. Aliás, a queda de 2020 foi pior ainda do que se projetava…

Já em 2017 eu dizia e repito agora: certamente poderíamos melhorar nossa atratividade turística se valorizássemos coisas exclusivas dos municípios e do país – os patrimônios da comunidade e do território – que poderiam nos ajudar a competir com outros destinos. Por exemplo, um patrimônio cultural exclusivo: nossa rica cultura popular relacionada a um de nossos maiores patrimônios naturais, a água.

Quem acompanha “in vino viajas” sabe que há vários anos venho repetindo este mantra: vamos valorizar nossos patrimocios culturais e territoriais para ter um turismo que agregue valor, atraia pessoas seletivamente e distribua benefícios para toda a comunidade, além de hoteleiros e restaurantes. Em 2018 a Editora Senac publicou um livro de minha autoria sobre isso: “O valor global do produto local”, o primeiro do Brasil a abordar a utilização da identidade territorial como estratégia de marketing. O livro foi um amadurecimento de ideias anteriores que eu já vinha apresentando no Brasil e no exterior.

Um exemplo: sugeri exatamente isso em um evento internacional em dezembro de 2016 na cidade de Porto, Portugal, no evento “1st International Forum on Tourism and Heritage – Water, Heritage and Sustainable Tourism – IFTH-16” organizado pela Universidade Portucalense – UPT. Fiz uma palestra sobre: “A Amazônia Azul – A influência do patrimônio tangível e intangível dos recursos hídricos do Brasil na construção da identidade social e cultural dos brasileiros e seu aproveitamento turístico”.

Pesquisei fontes como Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, Silvio Romero e o Plano Nacional de Turismo 2013/2016 da Embratur para identificar os mitos e lendas da Amazônia Azul trazidos pelas três etnias fundamentais da nação brasileira (índios, portugueses e negros) na cultura brasileira de maneira geral e particularmente no folclore, música, danças populares, poesia, artes, literatura, culinária e construcão naval. Na sequência avaliei como estas várias dimensões do patrimônio cultural derivado das águas no Brasil são percebidas, reconhecidas e utilizadas turísticamente pelos brasileiros.

Então infelizmente comprovei o que já suspeitava: nossa cultura popular é riquíssima, mas muito pouco valorizada e explorada turísticamente. Temos dezenas de lendas ligadas às aguas como a lenda da Boitatá, da Cobra-Grande, da Iara ou mãe-d’água e da Vitória-régia, mas elas raramente se transformam em temas de um produto turístico. O Brasil tem uma construção naval muito rica. Amyr Klink demonstrou que nossa arquitetura naval popular reúne tradições ibéricas, mediterrânicas, norte-européias, africanas, asiáticas e americanas.

Na literatura, poesia e música nossos rios e mar trouxeram danças folclóricas como o frevo e fandangos no litoral e a maior contribuição da cultural popular na música, o samba. Pois é: o samba nasceu no cais do porto do Rio de Janeiro, o Valongo, hoje local do Sambódromo de Oscar Niemeyer. Mas nosso patrimônio cultural baseado nas águas vai longe: na música e na poesia inspirou talentos reconhecidos mundialmente como Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, João Marcelo Bôscoli, Tim Maia, Jorge Amado, Tom Jobim, Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e muitos outros. Mas infelizmente poucos eventos de fato valorizam isso turísticamente com qualidade internacional.

Realizamos centenas de eventos regonais e locais relacionados à água em todo o país – como as procissões Marítimas de alma portuguesa de Nossa Senhora dos Navegantes e São Pedro, e as africanas Festas de Iemanjá. Mas temos poucos produtos turísticos de padrão internacional com foco na cultura popular. Entre estes destaco o Carnaval (que pode abordar temas relacionado à água), o Círio de Nazaré e as Festas de São João. Mas apenas um grande evento valoriza os mitos e lendas do reino das águas no Brasil em padrão global e de maneira permanente: o Festival Folclórico de Parintins, realizado no final de junho no coração da floresta amazônica.

Pois é, meu caro leitor ou leitora, o que só nós temos, uma cultura popular forte, distinta, diversa e encantadora permanece invisível no turismo brasileiro e não é utilizada de maneira formal e planejada como atração turística, tanto para brasileiros quanto para estrangeiros. Veja a riqueza dos produtos com identidade territorial no quadro acima.

Poderíamos transformar nossa cultura popular exclusive em Roteiros turísticos temáticos; parques temáticos – ao lado de oceanários e parques de lazer; festas regionais com maior valorização e conteúdo; concursos e festivais gastronômicos; competições náuticas temáticas; museus especializados; concursos literários tematizados e festivais de música folclórica. Com qualidade e foco no mercado de turistas que por causa da pandemia vão viajar menos, de maneira mais cautelosa e com muita, mas muita atenção ao seu rico dinheirinho.

OK, você não é gestor do turismo do Brasil e nnao pode fazer nada a respeito disso – pelo menos ainda… Mas você mora em algum lugar, sabe que a sua comunidade seria valorizada se tivesse turismo de qualidade e organizado.Então já sabe: aposte na valorização de patrimonies da sua comunidade e do seu território, porque eles agregam diferencial de valor – que aumenta o lucro.

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Aquer se divertir? Acesse o WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal: https://www.youtube.com/channel/UCc4c2FU6Z88_XU_2I2lFbmA

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