Vale dos Vinhedos comemora 23 anos de sucesso dos vinhos com Indicação Geográfica e expande o conceito para o território

Tempo de leitura: 11 minutos

Por Rogerio Ruschel

Entrevista exclusiva com Jaime Milan, consultor técnico da IG Vale dos Vinhedos e Presidente da ABRIG – Associação Brasileira das Indicações Geográficas

Meu prezado leitor ou leitora, o Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, é a primeira Indicação Geográfica do Brasil (IG) e também a única região reconhecida com as duas IGs existentes no país: IP – Indicação de Procedência, em 2002 e DO – Denominação de Origem, em 2012. Trata-se, então, da IG mais “idosa” e mais experiente. Como sabemos, a região é também a maior produtora de vinhos do Brasil, então In Vino Viajas decidiu apresentar sua experiência para seus leitores qualificados.

Para saber quais os problemas enfrentados, os resultados obtidos nestes 23 anos e os planos para o futuro, entrevistei Jaime Milan, consultor técnico da Associação dos Produtores de Vinho do Vale dos Vinhedos (Aprovale), a entidade que gerencia as IGs Vale dos Vinhedos. Milan é enólogo com pós-graduação na França, economista e pós-graduado em Gerenciamento de Qualidade e já foi presidente da Festa Nacional do Vinho. Ele é também Presidente da ABRIG – Associação Brasileira das Indicações Geográficas. Leia a entrevista a seguir.

Rogerio Ruschel – O Vale dos Vinhedos foia primeira região do país reconhecida como Indicação Geográfica. A certificação com IP ou DO é reconhecida pelo mercado comprador de vinhos? Consumidores, distribuidores, supermercadistas, lojistas, sabem (e valorizam) esta certificação? Isso faz diferença?

Jaime Milan – O reconhecimento como IG ampliou o mercado e contribuiu para a disseminação do conceito dos produtos do Vale dos Vinhedos, inclusive no exterior.Em 2007, por intermédio do Ministério de Relações Exteriores, foi encaminhado ao Comitê de Gestão do Vinho da União Europeia o pedido de registro da indicação geográfica brasileira “Vale dos Vinhedos”.

Em decorrência desta solicitação, a denominação “Vale dos Vinhedos” foi incluída na lista das indicações geográficas de vinhos protegidas pela União Europeia, em conformidade com o regulamento CE 1493/99. A partir da publicação, os vinhos com Indicação Geográfica Vale dos Vinhedos passaram a gozar de exclusividade no mercado europeu com proteção legal no que se refere a propriedade intelectual. O mercado europeu possui uma tradição muito importante na valorização dos produtos locais através das Indicações Geográficas e este foi um dos mercados alcançados com o reconhecimento.

O conceito da Indicação Geográfica ainda é jovem no Brasil, por isso a conquista de mercado acaba sendo mais lenta em território nacional. Quando falamos de vinho especificamente, existe uma credibilidade maior no momento de inserção de produtos quando este possui o selo da IG no rótulo. No mundo do vinho a tradição das DOs é bastante valorizada.

De maneira geral, um trabalho em conjunto entre as Indicações Geográficas Brasileiras e entidades que as valorizam está sendo realizado em comitês e grupos de trabalho, objetivando, dentre outros, uma melhor promoção destes produtos, aproximando-os dos consumidores brasileiros.

Rogerio Ruschel – Qual a representatividade dos vinhos da IP Vale dos Vinhedos? Quantas vinícolas estão autorizadas a utilizar o selo? Quantos produtos/rótulos certificados já estão disponíveis no mercado? Qual o volume de vendas de vinhos com a IP em relação à produção geral do Vale dos Vinhedos?

Jaime Milan – Por opção dos próprios viticultores, quando do reconhecimento da DO, a IP ficou em standby, como um incentivo ao uso da DO. Já integrados ao processo da DO, a IP foi retomada em 2019, e representa, nas degustações avaliativas, aproximadamente 17%. Hoje são 29 as vinícolas associadas à Aprovale e que tem condições de atender ao caderno de especificações técnicas da DO ou IP Vale dos Vinhedos. Por opção, hoje, apenas uma vinícola faz uso da IP. As demais preferem utilizar a DO.

Rogerio Ruschel – Qual a percepção de agregação de valor que os produtos certificados com IP Vale dos Vinhedos têm em relação a vendas, penetração, prestígio ou valor? Porque vale a pena ter um produto com IP Vale dos Vinhedos?

Jaime Milan – A agregação de valor se faz de diferentes formas. No caso do Vale foi pela divulgação mundial da região e dos produtos, desde seus vinhos até seu enoturismo, reconhecidos pela União Europeia em 2007. O selo indica ao profissional e ao consumidor, que existe seriedade e sustentabilidade na elaboração do produto, e que ele é único ante a ampla oferta existente. Ter o selo abre portas, pois ele passa credibilidade, garantia de origem e tipicidade regional.

O reconhecimento da região impacta, até mesmo, em empresas de produção associada ao enoturismo, que recebem o fluxo de visitantes motivados pelo renome da região. São mais de 400 mil visitantes anualmente e a mídia espontânea gira em torno de R$ 10 milhões anuais. Então a agregação de valor vai além do próprio produto reconhecido.

Rogerio Ruschel – Qual a representatividade dos vinhos da DO Vale dos Vinhedos? Quantas vinícolas estão autorizadas a utilizar o selo? Quantos produtos/rótulos certificados já estão disponíveis no mercado? Qual o volume de vendas de vinhos com a DO em relação à produção geral do Vale dos Vinhedos?

Jaime Milan – A DO Vale dos Vinhedos já injetou no mercado mais de 4,5 milhões de garrafas reconhecidas. Representa aproximadamente 4% do volume total de vinhos do Vale dos Vinhedos, lembrando que esta é a região com maior concentração de vinícolas por metro quadrado da América Latina, que inclusive elabora vinhos para outras regiões. Os vinhos reconhecidos são seletos.

Hoje são 29 as vinícolas associadas à Aprovale e que tem condições de atender ao caderno de especificações técnicas da DO ou IP Vale dos Vinhedos. São 13 vinícolas que possuem vinhos reconhecidos pela DO no mercado, com 39 produtos distintos entre vinhos brancos, tintos e espumantes.

“O reconhecimento da DO coroou e consolidou o Vale dos Vinhedos como uma região produtora de renome mundial, em que a qualidade e tipicidade são destaque, e o enoturismo.”

Rogerio Ruschel – Qual a percepção de agregação de valor dos produtores com DO Vale dos Vinhedos têm em relação a vendas, penetração, prestígio ou valor? Porque vale a pena ter um produto com DO Vale dos Vinhedos?

Jaime Milan – A agregação de valor de IP e DO são muito semelhantes e se fazem de diferentes formas, como mencionado na questão referente a IP. A DO reitera a divulgação mundial da região, dos produtos e do enoturismo, e indica aos profissionais também a qualidade indiscutível do produto, que antes de ir ao mercado, é avaliada às cegas, por um corpo de enólogos e técnicos. O reconhecimento da DO coroou e consolidou o Vale dos Vinhedos como uma região produtora de renome mundial, em que a qualidade e tipicidade são destaque. Ter um vinho com DO eleva a vinícola a outro patamar, e sinaliza que o produtor honra com uma série de regras que objetivam a sustentabilidade, a qualidade e o respeito ao terroir.

Rogerio Ruschel – É possível estabelecer alguma ligação entre enoturismo com a existência das IGs Vale dos Vinhedos?

Jaime Milan – O reconhecimento do Vale dos Vinhedos como Indicação Geográfica representou um importante avanço para o desenvolvimento econômico regional. Entre os impactos observados na área geográfica de produção podemos citar a valorização das propriedades e o consequente estimulo à investimentos na própria zona de produção – novos plantios e replantios, melhorias tecnológicas no campo e na agroindústria do vinho e o incremento das atividades de enoturismo. Antes do reconhecimento da IP, o Vale dos Vinhedos contava com pouco mais de 10 produtores e a atividade de enoturismo era isolada. O crescimento foi gradual a partir do reconhecimento e da visibilidade que trouxe. Hoje são mais de 90 empresas ligadas ao enoturismo, em sua maioria iniciativas de moradores locais.

Rogerio Ruschel – A gestão da IG e da DO Vale dos Vinhedos é feita pela Aprovale. Como a Aprovale tem trabalhado para divulgar e consolidar o significado destas IGs? Quais os planos da Aprovale para valorização destes ativos?

Jaime Milan – Cabe à Aprovale o controle dos produtos protegidos pela Indicação Geográfica do Vale dos Vinhedos e a sua gestão. Informações sobre o território, turismo, apoio para realização de pesquisas científicas e acadêmicas assim como a promoção institucional do roteiro estão entre as atividades conduzidas pela entidade.

Especificamente, nas ações de promoção dos conceitos das IGs, ao lado de entidades que também possuem responsabilidade pela disseminação destes conceitos, realizamos palestras e agendas técnicas apresentando o case Vale dos Vinhedos para grupos dos mais diferentes perfis e também em eventos diversos. Universidades e entidades com perfil semelhante ou regiões interessadas em ter o mesmo reconhecimento nos procuram constantemente. A Aprovale atende mais de 100 pesquisadores/ano, jornalistas e influenciadores interessados no tema, além de participar de eventos estratégicos promocionais sobre IG.

“Está sendo criado um plano diretor integrado do Vale dos Vinhedos, e os municípios que fazem parte da área delimitada terão regras territoriais semelhantes e voltadas à preservação e desenvolvimento com respeito a IG.”

Também enviamos produtos para degustações em ações estratégicas junto a nossos parceiros. Internamente, realizamos palestras de disseminação dos conceitos de IG voltados à garçons, sommeliers, trade turístico local e colaboradores do turismo local. A entidade também possui projetos de valorização dos agricultores fornecedores de uvas para a DO, criou projeto de ampliação de área de vinhedos de qualidade, hoje executado pela Prefeitura de Bento Gonçalves, é participativa em todos os principais conselhos regionais, e executa uma série de ações que objetivam conscientizar sobre a importância da paisagem vitivinícola e do desenvolvimento sustentável do Vale do Vinhedos.

Está sendo criado um plano diretor integrado do Vale dos Vinhedos, cuja movimentação iniciou na Aprovale, objetivando que os municípios que fazem parte da área delimitada tenham regras territoriais semelhantes e voltadas à preservação e desenvolvimento com respeito a IG. Um trabalho inédito, mais uma vez encabeçado pela Aprovale, e que certamente beneficiará todas as IGs brasileiras. Em breve a entidade fará um lançamento inédito, uma ação de promoção coletiva com o objetivo de promoção da DO. São diversas as ações voltadas à promoção da Indicação Geográfica Vale dos Vinhedos, mas também dos conceitos de Indicação Geográfica.

Espero que a promoção anunciada seja feita com critérios profissionais e não apenas mais uma “ação entre amigos”. Há alguns anos tenho uma coluna no (enorme) portal Vinetur, da Espanha, e recentemente um artigo meu sobre os vinhos com a IG Vale do São Francisco teve mais de 21.500 acessos em apenas 30 dias. Informação de qualidade para leitores interessados, agregando valor ao tema.

Como além de jornalista sou gaúcho e morei em Bento Gonçalves, cumprimento a Aprovale e seus 87 associados na pessoa do enólogo Jaime Milan, e continuarei a acompanhar o assunto, especialmente as ações futuras aqui anunciadas.

Tim-tim!!!

Este é o 26o. artigo meu sobre o Vale dos Vinhedos. Veja outros no In Vino Viajas:

Texto e foto de Rogerio Ruschel

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