Conheça os Colhões de São Gonçalo, uma delícia portuguesa

Tempo de leitura: 5 minutos

Por Ricardo Braz Frade, do site “Portugal num Mapa”

Meu prezado leitor ou leitora, hoje vamos conhecer um dos muito interessantes textos de Ricardo Braz Frade, editor de um (diferenciado) site que publica histórias sobre lendas, produtos, tradições e lugares muito interessantes e menos óbvios de Portugal. Assim como eu, ele também valoriza a origem e a identidade de produtos e da cultura, como forma de valorizar territories e comunidades. Sugiro que você acesse o site, é sensacional – basta digitar o nome. O artigo que escolhi é sobre um doce feito apenas na cidade de Amarante, Portugal: um doce em formato de pênis coberto por açúcar, chamado Colhões de São Gonçalo e também, mais carinhosamente, de Caralhinhos. Ainda não provei este doce, mas me disseram que é deicioso. A foto é do departamento de turismo de Amarante.

Com a palavra, Ricardo Braz Frade.

 “Há vários nomes para este doce amarantino. Doces fálicos é o que melhor o designa com palavras meigas. Mas há mais, e menos óbvios. No final, o vocábulo que o popularizou foi mesmo este que destacamos – Colhões de São Gonçalo, ou, em alternativa, Caralhinhos. Um doce fálico ao qual chamaram Colhões de São Gonçalo – uma ousadia herege que tem mais que se lhe diga

Origem dos Colhões de São Gonçalo

Engane-se quem vê a origem destes doces no passado recente da região, como uma brincadeirinha de mau gosto das pastelarias da cidade. Engane-se também quem procura a origem no culto a São Gonçalo, que aqui passou grande parte da sua vida, porque, ainda que antigo, não vai suficientemente longe na explicação.

Para chegarmos à verdadeira justificação, é preciso ir a um tempo mais brumoso, pré-Cristão, e influenciador do que depois se viria a tornar na devoção amarantina ao seu padroeiro. Aliás, dá para entender que juntar colhões e São Gonçalo não é um gesto de grande catolicismo, e não faltaram autoridades maiores – isto é, a igreja, em primeiro lugar, e o Estado Novo, em segundo – a levantarem os seus dedos contra uma heresia destas. Mas o povo não se regra, e ainda bem.

A verdade é que Gonçalo (que é beato, a atribuição de santo veio do povo e não da igreja) foi conhecido pelos casamentos que ajudou a realizar. E essa história foi fundamental para que se passasse a ter a imagem do santo como substituta de antigos ritos ligados à fecundidade. A sua fama de casamenteiro – como aconteceu com Santo António – veio mesmo a calhar, numa de fundir o pagão com o cristianismo entretanto institucionalizado. Ficou assim ligado a prestações religiosas antigas, de culto à fecundidade da terra. Salva velhinhas da viuvez, ajudando-as a casar novamente. Ajuda a impotência dos homens, que lhe rezavam a pedir solução. As solteiras roçam os seus corpos no túmulo do santo numa de se tornarem férteis ou arranjarem marido. E começaram a honrá-lo com um símbolo tão antigo quanto a existência humana, o falo, que aqui é feito com a originalidade da doçaria tradicional, e ao qual passámos a apelidar, muito graficamente, de caralhinhos ou colhões ou ainda quilhõezinhos de São Gonçalo.

Em Junho, uma das duas vezes do ano em que é celebrado – a outra é a 10 de Janeiro, data da morte do santo -, estes pénis de açúcar eram cozinhados numa espécie de oferenda ao santo. Em paralelo, os rapazes ofereciam-nos às raparigas, numa espécie de engate pouco subtil. E lá está Junho, o mês em que o sol está na sua máxima força no hemisfério norte, a ser alvo de devoções ao brotar da natureza. A sua massificação só se deu posteriormente, depois de passado o período de censura a que o regime salazarista o votou, quando começaram a ser fabricados de forma mais industrial.

Hoje, encontramo-los em quase todos os cafés de rua da zona histórica de Amarante. Há poucos anos, num projecto de divulgação à gastronomia amarantina construíram um enorme doce com cerca de 21 metros de comprimento.

A secreta receita dos Doces Fálicos

Não existe uma, mas sim várias receitas. Culpa de uma terra que, através dos mosteiros – sempre foi dada à invenção e reinvenção da doçaria regional. Quem o produz é relutante em dizer mais do que os ingredientes principais. Parece que o único padrão que conseguimos encontrar é no uso de certa matéria-prima: açúcar – grosso e fino -, farinha, manteiga, e os indispensáveis ovos.

Sem nunca ter visto tal coisa ser feita, presumo que se prepare o açúcar com água e depois se juntem os ovos – provavelmente mais gemas que claras. Coisa simples de fazer, embora se conte que o segredo está no tipo de massa usada. A cobertura açucarada é feita no final, pincela-se primeiro com açúcar quente, e os pós de açúcar frio vêm depois. Algumas versões contam ainda com recheio interior. Pode ter diversos tamanhos.”

Este conteúdo é protegido por direitos autorais; para divulgar cite a fonte: “Portugal num Mapa”, texto de Ricardo Braz Frade, publicado no site In Vino Viajas. O link original é este: https://www.portugalnummapa.com/colhoes-de-sao-goncalo/

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