Cittaslow: a revolução de gestão pública inspirada no vinho

Tempo de leitura: 9 minutos

Por Rogerio Ruschel, de Florença, Itália, junho de 2012 – EXCLUSIVO

Paolo Saturnini (com casaco escuro na foto acima, comigo) foi presidente nacional da Associazzione Cittá Del Vino, que reúne as cidades italianas produtoras de vinhos e é um especialista sobre chiantis. É autor dos livros “Vini da mangiare”, com 200 receitas de uso do vinho na culinária, e “Giallo in cucina”, sobre o uso do açafrão, em parceria com Marco Mazzoni, produtor de açafrão.

 

Saturnini foi prefeito de Greve in Chianti, pequena e charmosa cidade da Toscana italiana entre 1990 a 1995, 1995 a 1999 e 1999 a 2004, re-eleito maciçamente duas vezes, e com a sensibilidade de fazer uma gestão para os moradores, foi mentor e primeiro presidente do Movimento Cittaslow, a mais revolucionária proposta de desenvolvimento urbano sustentável, nascida em 1999 em Greve já está sendo aplicada em cerca de 236 cidades de 30 países (dados de outubro de 2017). As memórias sobre seu território e o Cittaslow foram registradas por ele no livro “L’armonia Del Chianti – riflessioni su una terra in bilico” (em tradução livre, “A harmonia de Chianti – reflexões sobre uma terra em equilíbrio”).

 O Cittaslow, uma proposta simples e genial, nasceu numa mesa de restaurante, inspirada em uma taça de vinho, como me disse Saturnini nesta entrevista: “Tive a idéia de expandir o conceito de “lentidão” proposto pelo movimento Slow Food – focado na qualidade, integridade e prazer do que se come – para a cidade inteira, porque nas casas de Greve comemos sempre com prazer e alegria e o vinho – o mais poderoso ícone da “slow food” – é parte quotidiana de nossos hábitos alimentares.”

 
Atualmente Saturnini é presidente honorário e presidente do Conselho Garantidor de Qualidade da organização e continua em Greve in Chianti onde é empresário do setor imobiliário, de onde sai apenas para fazer palestras sobre vinho ou sobre o Movimento Cittaslow.

Como todo bom apaixonado por vinhos, é um excelente companheiro para um jantar com vinhos chianti. Pois foi num jantar assim, de quase 3 horas, que Paolo Saturnini me recebeu, em fins de abril no restaurante La Piazza Del Vino, em Florença, na Itália, para me conceder esta entrevista exclusiva sobre a gênese e o desenvolvimento do Movimento Cittaslow.

Tudo o que um repórter exigiria: uma excelente conversa com uma fonte riquíssima: Paolo é o de casaco escuro

O Movimento Cittaslow propõe a melhora da qualidade de vida dos cidadãos a partir de propostas vinculadas ao território, ao meio ambiente, ao respeito cultural e ao uso de novas tecnologias usando como “arma” o protagonismo comunitário. Simples na concepção, nasceu inspirada no Movimento Slow Food e se propaga em cidades pequenas, evitando que cometam os  mesmos erros das cidades que crescem sem controle. Como diz Saturnini, cidades pequenas devem preservar; cidades grandes precisam revolucionar – e não sabem como. O Brasil tem 5.017 municípios com menos de 50.000 habitantes e pode criar centenas de Cidades Lentas salvando do caos urbano 65,2 milhões de brasileiros. Esta reportagem procura mostrar o caminho. Para saber mais acesse http://www.cittaslow.org

 

O Movimento incentiva o desenvolvimento de profissões baseadas no talento individual

Ruschel:
Como nasceu a proposta de Cittaslow?

Saturnini:
A idéia nasceu em 1999, logo após o Congresso Mundial do Slow Food em Orvieto, na Itália, do qual eu havia participado. Como prefeito estava preocupado para resolver um dilema: como permitir que Greve in Chianti pudesse continuar a receber cada vez mais turistas sem perder a identidade e seus valores culturais, parte fundamental do que atraía os turistas, e ao mesmo tempo compartilhar os benefícios para toda a comunidade, e não apenas para alguns poucos? E melhorar a qualidade do produto turístico, a solução de qualquer destino turístico sob pressão de volume, não era possível, porque nosso turismo já era de alta qualidade.

A praça principal de Greve in Chianti

Foi quando tive a idéia de expandir o conceito de “lentidão” proposto pelo movimento Slow Food – focado na qualidade, integridade e prazer do que se come – para a cidade inteira. Afinal, nas casas de Greve comemos sempre com prazer e alegria e o vinho – talvez o mais poderoso ícone da “slow food” – é parte quotidiana de nossos hábitos alimentares. Na verdade, pensei inicialmente na possibilidade de estender o princípio da “lentidão” também para outras coisas além da comida, e com isso sensibilizar pessoas que ainda não tinham abraçado a causa do Slow Food. Pensei que se tivesse o apoio de prefeitos e instituições municipais que representam dezenas de milhares de homens e mulheres, poderia facilitar a implementação dos objetivos do movimento Slow Food mais rapidamente. Parecia uma boa ideia: bastava pedir aos políticos, em primeiro lugar, mas também para as pessoas da cidade como um todo, um ato de vontade: a vontade de ser parte de um projeto estratégico importante, o projeto do Slow Food.
Ruschel:
Como são as relações da Cittaslow com o Slow Food?

Paolo:

As organizações estão intimamente relacionadas, no sentido de que Cittaslow faz parte do Slow Food através de um representante nacional, e o presidente da Cittaslow faz parte do Conselho de Governadores do Slow Food na Itália.

Gastronomia local é a base do desenvolvimento com qualidade de vida e respeito à cultura dos moradores e ao território

Ruschel:
Quem foram os promotores iniciais da ideia?
 
Paolo: O Município de Greve in Chianti, juntamente com as cidades de Orvieto, Bra, Positano e com o Movimento Slow Food.

Ruschel:
Qual a ideia básica do Movimento Cittaslow?
Paolo:
O objetivo é melhorar a qualidade de vida dos cidadãos a partir de propostas vinculadas ao território, ao meio ambiente, ao protagonismo comunitário e ao uso de novas tecnologias. O inimigo é o estresse, a pressão de valores não naturais, a perda de referências, a pressa. Tudo isto gera má qualidade de vida. Em pequenas comunidades como Greve in Chianti as pessoas estão vinculadas ao território: elas nascem, crescem, moram e trabalham em fazendas, casas, ruas e bairros. Conhecem cada árvore, cada casa. Vivem no território do município, um espaço que deve ser seu e que deve ser fonte de harmonia e prosperidade. E este ambiente deve ser respeitado e valorizado, e não envenenado como é a tendência no que se refere ao meio ambiente. Queremos valorizar o território e não apenas ocupá-lo.

A bandeira do Cittaslow já tremula em 25 países como aqui em Sokndal, na Noruega

Ruschel:
E como esta valorização do território se manifesta na prática?
Paolo:
Para aderir à rede, os municípios candidatos devem ter até 50.000 habitantes e atender a diversos compromissos, entre os quais:
·      A política de planejamento deve servir para melhorar o território, e não apenas para ocupá-lo
·      Devem implementar uma política ambiental baseada na promoção da recuperação e reciclagem de resíduos, quando não for possível evitá-los
·      Devem usar os avanços tecnológicos para melhorar a qualidade ambiental e de áreas urbanas
·      Devem promover a produção e utilização de produtos alimentícios obtidos de maneira natural e ambientalmente respeitosos, excluindo os produtos transgênicos
·      Devem entender que o fortalecimento da produção local deve estar ligada ao território: agricultores e moradores tradicionais devem preservar suas mais antigas tradições, mesmo quando é incentivado o relacionamento entre consumidores e produtores
·      Devem implementar, quando necessário, políticas e serviços públicos de defesa de grupos geralmente excluídos
·      Devem promover a hospitalidade respeitosa e a convivência harmoniosa entre os moradores e turistas, sem exploração, mas com valorização
  •      Devem mobilizar e educar a consciência dos residentes e dos operadores turísticos sobre o que significa viver em uma cidade lenta e suas implicações, com especial atenção para a sensibilização dos jovens, através de planos de formação específicos.

Greve in Chianti recebe milhares de turistas na noite de Natal

Ruschel:
Você pode dar exemplos práticos?
Paolo:
Sim, posso dar alguns exemplos do que foi conquistado em Greve in Chianti.
Um está relacionado ao planejamento urbano, onde, para assegurar o desenvolvimento sustentável na minha comunidade, reduzimos drásticamente a previsão de novos edifícios, tanto residenciais como para atividades produtivas. Reduzimos o limite de 250.000 metros cúbicos construtivos de leis anteriores e aprovamos um novo plano diretor que colocou em primeiro lugar o aproveitamento das áreas existentes, e apenas como último recurso, a construção de um novo edifício. Outro exemplo é o do comércio, onde, como em qualquer cidade você tem lojas com áreas de auto-atendimento, mas o morador prefere o comércio tradicional, contribuindo para a preservação de uma importante base econômica, social e cultural. Outro exemplo é o do turismo, onde, em face de forte crescimento da demanda, incentivamos o surgimento de pequenos hotéis derivados da reutilização de edifícios existentes, em vez de recorrer à construção de complexos hoteleiros de grande porte. Também associamos a qualidade e a origem de alimentos produzidos localmente à educação, educação alimentar e educação ambiental, incentivando o uso de merendas ligadas ao território e à cultura. Um último exemplo é o da paisagem agrícola, onde, com o apoio de enólogos, adotamos padrões e práticas para a criação de novos vinhedos com técnicas mais respeitosas em relação ao solo e a paisagem.

Veja a segunda parte desta entrevista e conheça Greve in Chianti na reportagem  “O Movimento Cittaslow e Greve in Chianti” clicando aqui: http://www.invinoviajas.com/2012/08/o-movimento-cittaslow-greve-in-chianti/

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