Como harmonizar vinhos do planeta Terra com filé de escorpião selvagem de Órion, alpistranos de Júpiter cozidos no bafo e outras delicias inter-galácticas

Tempo de leitura: 7 minutos

Por Rogerio R. Ruschel

Dedicado a Giorgio A. Tsoukalos, o caçador de antigos astronautas

Meu caro leitor ou leitora, sou um jornalista de turismo, enoturismo e cultura do vinho que gosta de viajar. Pois últimamente venho recebendo convites para fazer palestras em outros planetas, especialmente nos mais próximos da Terra, aqui na Via Láctea. E sempre me pedem para levar vinhos do Planeta Terra que são famosos em todo o Universo conhecido (e dizem que também mais além do tal universo conhecido…). Na verdade em nosso querido planeta usamos cerca de 2.000 tipos de uvas (das 10.000 espécies conhecidas) para fazer vinhos em cerca de 800 comunidades com seus terroirs e isso nos dá uma grande vantagem competitiva para o turismo gastronômico inter-galáctico: harmonizamos qualquer comida com qualquer tipo de vinho.

Como nunca se sabe quando vamos receber um convite destes é bom estar preparado para não cometer gafes ao harmonizar vinhos terráqueos com comidas de outros planetas. Além disso é bom guardar estas dicas porque nas redes sociais intergalácticas a grande fofoca é que a Nasa deve revelar em breve uma pesquisa que eles vem realizando sobre o comportamento de consumo alimentar, temperos siderais e tendências gastronômicas em outros planetas. Pesquisei o assunto para poder passar algumas dicas aos meus esforçados leitores e leitoras, mas aceito sugestões de amigos, sommeliers ou não – envie mensagem, obrigado.

Harmonizando alpistranos cozidos no bafo em Júpiter

Fui convidado para jantar com amigos em Júpiter, na festa da padroeira deles, que é dia 13 de agosto. Conheci um jupiteriano, o Bisordion, numa degustação da Vinhos de Portugal em São Paulo; ele estava disfarçado de comprador de uma rede de supermercados do Ceará, mas eu o identifiquei imediatamente pelo tipo de nariz poteagudo, porque sou do Cinturão de Órion e cresci com amigos da Via Láctea. Entre muitos tim-tins Bisordion me convidou para ir a Jupiter comer alpistranos do Norte cozidos no bafo, com creme de magnetosfera. E me sugeriu que, como Júpiter é um planeta gasoso (veja foto acima), deveria evitar um vinho que provocasse mais gases… Além disso lembrou que os ventos na superfície de Júpiter podem chegar a mais de 500 Km por hora, então precisamos ter cuidado com guardanapos, temperos e coisas mais leves que a gente costuma levar de lembrança, pra não sairem voando. Mas Bisordion me garantiu que o restaurante aonde vamos fica no núcleo sólido do planetas e que vamos ficar protegidos dos ventos.

Se você não conhece, não se preocupe, eu também não sabia, mas agora sei: alpistranos (foto acima) são pequenos mamíferos reptilianos similares a bolas de neve com longo pelo branco, que só conseguem sobreviver no norte do planeta, onde é mais frio. E mais do que isso: eles tem carne branca e sabor de peixe – talvez um peixe meio diferente, mas dizem que é peixe! Meu amigo Bisordion me disse que o restaurante vai prepará-los assados ao bafo planetário porque ficam melhores assim. Para mim ficou a dúvida: que vinho devo levar? Pois pesquisei e descobri que algumas uvas que combinam com alpistranos são a Rabigato com blend prussiano, a Verdial Branca Amarelada, uma Chassela suiça muito rara, só encontrada em um vale escondido perto de Genebra, e talvez – apenas talvez – uma Malvasia Romana de vinhas antigas de uma ilha do Pacífico. Sei que vinhos com estas uvas são difíceis de encontrar, então em último caso levarei um Chardonnay mais extravagante do centro-oeste do Vietnam ou algumas garrafas de Pinot Gris veneziano de safra antiga que ainda fala venetio com corte de Syrah Acadêmica ou com uns 20% de Peneca REbula Brut, da Eslovenia – provavelmente eles vão gostar. Uma última dica: jamais leve vinhos 100% espumantes ou Vinho Verde porque eles contém gases e isso pode ser uma má ideia em um planeta gasoso… Você teria uma sugestão diferente?

Harmonizando escorpião de caça do Cinturão de Órion

Na próxima primavera terrestre vou passar alguns séculos orianos em uma das estrelas do Cinturão de Órion (foto acima), a Mintaka 17. É perto de minha casa,  onde morava antes de vir para a Terra, então vou oferecer um almoço na casa da minha trisavó Julepta IV, a Velha. Como aprendi com os gregos que Órion era um caçador que depois da morte foi eternizado pelos deuses dando nome a uma constelação, quero impressionar meus amigos orianos levando um vinho terráqueo bem equilibrado para combinar com uma carne de caça local.

Pensei em comprar uns dois quilos de escorpião selvagem oriano (os simpáticos da foto acima), um animal que ao contrário dos escorpiões que temos no planeta Terra, em Orion são bem suculentos, lembrando um pouco o sabor de um porco doméstico assustado e atropelado que comi certa vez numa barraquinha da Avenida São João, em São Paulo. A entrada e a salada vou ter que escolher em Mintaka 17, talvez folhas de churubeba com tomates sádicos, acompanhadas de salmonelas marcianas fatiadas, não sei ainda. Por isso me ocorreu levar dois vinhos diferentes, que harmonizam com carnes vermelhas: um Barolo que cresceu com orientação para o velho oeste, um Brunello di Montalcino com doze anos de janela e um Pinot Noir da Borgonha para a degustação inicial. Talvez leve também um tannat Reserva de Canelones, Uruguai ou um malbec argentino, ambos muito usados aqui na Terra para harmonizar com carne de cordeiro e vaca. Será que a carne do cordeiro se parece com escorpião selvagem oriano? Vou descobrir… Mas você teria outras sugestões?

Um almoço de domingo degustando tardígrados antigos em Venus

Meu amigo Szchulapa – que se diz primo distante do ex-jogador de futebol terráqueo Sergio Chulapa – mora em Venus e gosta de receber os amigos nos fins de semana. Como sabia que eu ia naquela direção e chegaria lá no ano de 2034, me convidou para comer uma leva de targígrados ao espeto nos jardins telúricos de Venus (foto acima). Mas ele garantiu que seriam targígrados antigos, aqueles com couraça mais leve, que originaram os vermes com o mesmo nome que existem aqui na Terra. Como todos sabem, Vênus é coberto por uma camada opaca de nuvens de ácido sulfurico, nuvens altamente reflexivas que impedem que sua superfície seja vista do espaço – então não vai dar para fotografar muita coisa dos jardins, é uma pena… E como Venus possui a mais densa atmosfera entre todos os planetas terrestres do Sistema Solar, é aconselhável optar por comidas leves e vinhos suaves.

Targígrados são pequenos vermes rechonchudos que se alimentam de luz solar e sombras venusianas – e não me pergunte como sobrevive, sou apenas um repórter de cultura do vinho e turismo. Mas me disseram que os dois tipos, com e sem pelos (fotos acima e abaixo), ficam muito bem ao espeto, porque o excesso de gordura escorre lentamente. Parece nojento e é nojento, mas a vida de jornalista é mesmo dificil, temos que provar de tudo…

Pois decidi levar um vinho bem suave, um late harvest ou um vinho adocicado. Quem sabe um Gewurtztraminer da Alsácia – daqueles deliciosamente frutados feitos por franceses com avôs alemães, talvez um crémant? Mas para exibir o grandioso portfólio dos vinhos da Terra e garantir que apreciem os frutos dos diversos terroirs terráqueos, levarei também algumas garrafas de Tokaj húngaro, Sauterne francês, um late harvest da serra gaúcha, um Porto com pelo menos 40 anos e talvez um jerez espanhol. Ou quem sabe uma garrafa daquele delicioso Peninsula de Setubal que provei quando fui jurado da Vinipax em 2016? Sei lá, meu caro leitor ou leitora – vou levar todos porque confesso que não sei o que melhor harmonizaria com targígrados ao espeto degustados nos jardins telúricos de Venus – ou você sabe?

Se souber, por favor me diga porque ainda dá tempo…

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