Conheça Anna Laudisi que escolheu criar os filhos entre Dolcettos e Barberas no Piemonte italiano para produzir vinhos com identidade e charme.

Tempo de leitura: 8 minutos

Por Rogerio Ruschel (*)

Série “A cultura do vinho como ela é”; entrevista exclusiva para In Vino Viajas.  Meu caro leitor: quando abrimos uma garrafa de vinho, apenas 30% está dentro da taça; os outros 70% do valor da bebida estão na história de sua produção. Cultivar uvas não é o mesmo que plantar soja, trigo, milho ou arroz. A produção de uva e de vinho estabelece um modo de vida que atrai pessoas com valores éticos, culturais e sociais muito interessantes porque humanos – e isto há pelo menos 8.000 anos. Como por exemplo os produzidos por Anna Laudisi e sua família de lutadores – que você pode ver nas fotos de abertura e abaixo e vai conhecer agora.
Anna é uma genovesa que produz vinhos “com identidade” e valores sustentáveis em Tagliolo Monferrato, um vilarejo medieval com apenas 1.600 habitantes no Piemonte, Itália (veja fotos abaixo), com sua família. Não a conheço pessoalmente, mas é uma batalhadora tão interessante que pedi a ela que nos contasse como é ser um pequeno produtor de vinho e qualidade nestes tempos de globalização e perda de valores fundamentais do ser humano. Veja o depoimento de Anna abaixo, transbordante de humanidade.
 “Meu nome é Anna Laudisi. Eu nasci e cresci em Gênova e em 2003, decidi me mudarpara Tagliolo Monferrato,para a casa da minha família, uma fazenda em uma colina de Ovada, Piemonte, onde, por décadas, tem sido produzido um vinho DOC apenas para consumo próprio e para os amigos. A propriedade se chama Azienda Agricola Cascina Boccia (fotos abaixo).
Minha história na verdade não tem nada fora do comum, vivemos nesta comunidade aproveitando o que temos. (Abaixo, fotos do Castelo Tagliolo Monferrato, do século X, atualmente da famiia Gentile, que oferece gastronomia de qualidade e coleciona prêmios por seus vinhos Dolcetto d’Ovada e Cortese del Monferrato).
Eu poderia ter sido considerada “alternativa” nos anos 90 porque embora fosse de uma família tradicional eu acreditava que a vida no campo de alguma forma poderia atender às minhas necessidades, pelo menos em parte. Até hoje não gosto da sociedadecomo o mundo se tornou, não gosto da maneira como nossos cérebros são sutilmente entupidos por porcarias e necessidades fúteis pela televisão, e me irrita ver que pessoas sofrem passivamente. Eu gosto de coisas simples e verdadeiras, posso ser ingênua, mas quero viver. (Abaixo um dos cenários piemonteses que a familia pode ver perto de casa)
Eu sempre tive paixão pela terra e pelos animaise me mudar foi a realização de um sonho. Além disso, em um momento posterior consegui outra realização: assumir a fazenda e aumentar o negócio do vinho. Isto levou a uma mudança radical na minha vida e comecei a me cansarporque eu estava sozinha, sem o conforto dos grupos, longe da família e dos amigos.
Não foi fácil me aclimatar, percebi que havia diferenças entre o sonho de uma vida em contato com a natureza e eu realmente viver, todos os dias, do nascer ao pôr do sol, descobrindo como a terra é difícil, mas compensa. Devido aos ensinamentos de um fazendeiro local que acreditou em mime na sinceridade de minhaescolha de vida, aprendi ao longo dos anos como viver no  campo e do campo, a cultivar o solo e, em especial, como cuidar davideira, fazer a poda para removergalhos bastardos, e tudo o mais – e estou ensinando meus filhos.
Assim e aos poucos minha paixão tornou-se umaprática rentável e de baixo custo. E o que se refere aos processos vinícolas, estamos orgulhosos de ser capaz demelhorar o produto que vem da videira, o que já era bom, graças ao conselho de um enólogo que me ajuda e acompanha por vários anos. Fui da cidade para o campo por decisão pessoal e aqui eu encontrei alguém para compartilharminha vida e paixões, e por isso a família tem se expandido! Temos três filhos, dois gêmeos com seis anos de idade – Nicola e Lorenzo – e o Pietro com um ano
Morar no campo é ideal para o crescimento das crianças que se tornam criativas, dinâmicas, e aos poucos vão aprendendo um maravilhoso equilíbrio entre a realidade cruel das cidades grandes e o mundo bonito em que vivemos. Para mim parece difícil de encontrar estes valores fora do campo, então aproveito para poder ensinar estes valores para eles. E tem também o aspecto econômico, igualmente difícil de lidar na cidade.
Meu parceiro faz  a parte pesada do negócio e eu sou a responsável pela empresa e pelas crianças. Vender não é o meu trabalho. Eu sou a favor detrocar os vinhos por outros produtos, mas sei que não podemos viver sem dinheiro. Agora estou tendo que aprender a promovernossos vinhos e um pouco com raiva porquenosso vinho é bom, mas olhando em volta vejo vinhos decididamente mais pobres, mas graças às iniciativascomerciais e de “marketing”,são facilmente vendidos aqui, como os nossos
Além do vinhedo, a fazenda tornou-se uma granja: nós temos cinco cães, vários gatos, quatro cavalos, uma vaca, muitas ovelhas, galinhas e patos que adubam nossa produção e alimentam nossa fome.
O vinhedo já tem 90 anos, exceto por uma pequena parte que foi introduzida em 2008, recebe boa insolação do nascer ao pôr do sol e se estende por uma área de aproximadamente um hectare e meio, plantado com uvas Dolcetto d’Ovada (abaixo) e Barbera del Monferrato. 
O sistema de cultura utilizado é o ramo Guyot com cerca de 5 gemas em vinhas

velhas e cerca de 8 gemas em vinhas novas.  O vinhedo está localizado a uma altitude de 300 metros acima do mar,e o terroir é composto por saibro (terra batida), e com a rara argila Ovada, que dá aos vinhos uma maior riqueza e estrutura.

Na vinha estamos tentando manter um equilíbrio o mais natural possível tentativa, numa tentativa para intervir muto pouco em termos de produtos químicos. Usamos estrume de cavalos, patos e vacas como adubo natural.  O rendimento é deliberadamente mantido baixa, não superior a 40/50 quintais  por hectare, para assegurar a conformidade com a idade do vinhedo e permitir obter vinhos intensos e encorpados. Se você trabalha bem na vinha ao longo do ano as uvas chegam à adega saudávelna fase correta do vencimento.
A fermentação ocorre em tanques de cimento para ajudar a manter a temperatura controlada. Fazemos cerca de três “montados” por dia para obter uma fermentaçãoregular permitir manter os sabores naturais. A transferência para barricas ocorre no final da fermentação alcoólica, em aproximadamente 10 dias, quando o vinho é colocado em barris de aço onde a segunda fermentação (fermentação malolática) que faz parte da evolução natural do vinho, da trasfega do vinho.
Engarrafamos o vinho (acima) após um ano de barril para manter intactas  as características devinhos produzidos com tratamento mínimoe, por esta razão depósitos pode serencontrados na parte inferior de algumas das garrafas – o que, certamente não é um defeito, e sim, um estágio. O vinho é envelhecido em garrafas ainda por mais 4 a 6 meses antes de ser vendido e todos os anos temos produzido cerca de 6.000 garrafas. 
Os nossos vinhos são DOC Dolcetto d’Ovada, Barbera del Monferrato DOC, e o Razzle Encandeamento, que foi criado através da combinação dos dois. E já a partir de 2015 teremos também um Ovada DOCG – e isso é um assunto muito importate para nós, tanto que vamos falar sobre ele outro dia. Realmente quero viver aqui entre Dolcettos e Barberas e faço um brinde aos que estão conhecendo minha história.”
Os vinhos da familia Laudisi ainda não tem distribuição no Brasil. Anna Laudisi, junto com outros pequenos produtores da região, está trabalhando na constituição do Consórcio Ovada DOCG para promover um vinho típico desta região do Piemonte – vamos contar esta história aqui no In Vno Viajas.
Enquanto isso, meu caro leitor, faço um brinde à coragem da Anna em construir seu sonho: tim-tim!
Série “A cultura do vinho como ela é”. Nos ajude a contar estórias e histórias relacionadas à produção de vinhos, de pequenas ou grandes empresas, de qualquer lugar do mundo, porque nosso planeta é um  vinhedo global.  Se você tiver uma sugestão ou conhecer produtor(es) com uma história interesante, envie para rruschel@uol.com.
A famiia da Anna pode receber visitantes – veja em http://cascinaboccia.blogspot.com.br
(*) Rogerio Ruschel é jornalista e enófilo, mora e trabalha em São Paulo, Brasil, mas tem o coração na natureza.

 

4 Comentários


    1. Li a história dessa mulher guerreira e fiquei encantada ela transmite amor e dedicação por suas origens e vinhedos. Parabéns! Gostaria de passar dias nesse lugar tão encantador.

      Responder

      1. Ola Verinha, espero que você a visite. Basta ir até lá, ela recebe visitantes.
        Abraços, Rogerio

        Responder

Deixe um comentário para veraneide Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *