Museu homenageia o carreiro Quim Costa em São Bento do Sapucaí e vira atração turística na Serra da Mantiqueira

Tempo de leitura: 8 minutos

Por Rogerio Ruschel

Meu prezado leitor ou leitora, há 12 anos aqui no In Vino Viajas eu conto histórias que valorizam patrimônios comunitários. A história de hoje é sobre como uma família e amigos criaram um museu para resgatar a importância histórica e cultural de uma atividade “caipira” e preservar a memória de um pioneiro e transformaram tudo isso em uma atração turística inovadora, educativa e diferenciada no interior do estado de São Paulo. Vem comigo conhecer o Museu do Carro de Boi Quim Costa, na área rural do bairro do Quilombo, em São Bento do Sapucaí – SP, que foi criado em 27 de outubro de 2016 e é gerenciado pela família. E que aoque tudo indica, é uma raridade: Marcia Azeredo, Gerente de Relações Institucionais da Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo (Aprecesp) me disse que “Não conheço outro museu assim não. Pelo menos entre as Estâncias paulistas não ouvi comentários a esse respeito. “

Pedi para os familiares contarem a história do museu. Veja como Maria Bernadete Costa Prado, filha do carreiro Joaquim Pereira da Costa (o Quim Costa), seu marido Ivan e suas filhas Ivana, Fernanda e Sarah criaram o museu e o mantém ao lado de patrimônios naturais e históricos em um sítio da família que abriga, além do museu, um espaço com tablado para catireiros, passeios ecológicos e uma parte da estrada histórica do carro de boi por onde escoava a produção da antiga Fazenda Boa Vista, na Serra da Mantiqueira. Como Maria Bernadete diz, “O carro de boi é um símbolo da vida caipira, das tradições antigas e um marco em nossa história.” Conheça esta história a seguir.

Rogerio Ruschel – Quem foi o carreiro Joaquim Pereira da Costa?

Bernadete Costa – “Joaquim Pereira da Costa (04/10/1930 a 13/03/2014) foi um carpinteiro, um mestre na arte de fazer carros de boi e ser carreiro de verdade, aqui da região. Filho do fazendeiro Joaquim Costa Manso, aprendeu seu ofício aos 8 anos de idade, cresceu na Fazenda Boa Vista, do pai, com 210 alqueires, que tinha usina de energia própria, moinho e monjolinho, usando o rio do Quilombo – anos mais tarde esta enorme fazenda foi dividida entre os 11 filhos. Aprendeu desde menino a arte de construir carros de boi artesanalmente com ferramentas manuais. Trabalhava com capricho a madeira até a hora de polir. Não se contentava só em produzir, queria ouvir o carro “cantar”, como dizia: “Sou carreiro duas vezes! … Faço o carro e faço ele cantar”! Ele transportava de tudo no carro de boi para o território de S. Bento. Era vocação mesmo.”

Rogerio Ruschel – Como era o trabalho do carreiro Joaquim Pereira da Costa, seus veiculos e animais, as ferramentas; que tipos de clientes e serviços?

Bernadete Costa – “O trabalho era perfeito, tudo no capricho, desde sua infância fazia carrinhos de brinquedos, utilizando os toquinhos que um carpinteiro o Sr. Carapina deixava na oficina. Começou a trabalhar desde a idade de 9 anos. Já treinava um pouco com facões, ajudava a fazer cangas para os bois. Depois aprendeu tudo com o carpinteiro Antônio Cipriano, seu mestre, que fazia carros de boi, porteira, paiol, até casa de pau a pique. Quim olhava e aprendia. Com 12 anos, já estava trabalhando na carpintaria de Sebastião Bento. Ajudava a família nas lavouras de milho, arroz e feijão e na plantação de fumo. A fazenda tinha gado leiteiro e boiadas de carro de boi. O mesmo carro de boi que levava mantimentos da fazenda (arroz, feijão e milho) para a cidade, trazia de lá açúcar, sal e óleo. Seus carros de boi são famosos pela qualidade e perfeição com que eram feitos, todos fabricados de forma artesanal, com ferramentas manuais e muito amor.”

Quim Costa e duas rodas de carro de bois

Rogerio Ruschel – Alguma história curiosa, divertida ou interessante sobre ele?

Bernadete Costa – “Quim Costa comentava que “Minha alegria era ouvir as rodas do carro “cantar”. O carro, quando está “cantando”, o boi joga as orelhas para trás pra escutar”. Quim nunca esqueceu os nomes do sexteto de bois que puxava o carro de bois da fazenda, que formaram a sua primeira equipe: os bois Rochedo e Bordado, na junta de guia, seguindo na frente: Marmelo e Sereno, na junta de meio; Delicado e Moreno, na junta de cabeçalho. Quim tinha tanta intimidade que conversava com os bois: “Firma o corpo, volta que o carro tá pesado, agora pode seguir”.

Aos 15 anos, gostava de cantoria de viola. Quando via se juntarem os folgazões da fazenda, como eram chamados os violeiros, o menino Quinzinho ia trás de Bastião Inácio, Joaquim Bento, Antônio Peres, a turma que animava as danças de São Gonçalo, o cateretê, a dança de catira. Dia de sábado, no Galpão da fazenda, faziam sucesso quando soltavam os primeiros acordes de Chico Mineiro, um clássico da música sertaneja que sobrevive até hoje. Quim também fez parte do famoso grupo de catireiros da Mantiqueira da região de São Bento do Sapucaí, SP, nosso município. Hoje o Museu do Carro de Boi tem o espaço do tablado dos catireiros, um tablado que foi feito com madeiras de araucárias plantadas por ele há mais de 50 anos e que estavam caídas na floresta, por isso foram utilizadas para fazer o tablado.”

Rogerio Ruschel – Porque existe um Museu do Carro de Boi, e porque o homenageado foi ele?

Bernadete Costa – “O Museu do Carro de Boi Quim Costa foi criado a partir de um desejo de seu Quim de registrar a história do carro de boi, meio de transporte tão importante para o desenvolvimento do nosso país e construção da nossa história. O carro de bois é uma herança trazida de Portugal nos tempos do Brasil Colônia. Seu Quim dedicou até o último dia de sua vida a produzir belos carros, que além de “cantarem” como nenhum outro, eram capazes de carregar toneladas de alimento, pedra, grãos e o que mais fosse necessário para a economia e a vida social da região.

O carro de boi é um símbolo da vida caipira, das tradições antigas e um marco em nossa história. No seu assoalho foram carregados materiais para a construção de inúmeros monumentos históricos; por sua causa foram abertas estradas importantes que ligam uma região a outra e no lombo dos seus bois foi carregado o desenvolvimento do país. Numa época que antecede os caminhões que hoje os substituem, eram a melhor forma de se levar o progresso.

E esse é o motivo de existirmos como uma casa de cultura, nosso maior objetivo é preservar essa história e toda sua tradição, levando-a cada dia a mais pessoas, para que possam conhecer e vivenciar essa experiência. E assim sendo, nosso homenageado não poderia ser outro, se não esse homem visionário que foi seu Quim Costa, idealizador e um dos últimos fazedores de carro de boi na região.“

Rogerio Ruschel – Existe outras obras do acervo de Quim Costa que não estejam no Museu?

Bernadete Costa – “Vários locais tem obras do Quim Costa, pois ele realizava muitas atividades, fazia móveis, madeiramento de casas, gamelas, pilões, facas, ferramentas elementos decorativos. A igrejinha de São Marcos, daqui de São Bento do Sapucaí, tem móveis e decorações feitas por ele. Carros de bois e cangas estão espalhados por várias regiões.”

Rogerio Ruschel – Algum parente ou funcionário do Quim Costa continuou seu trabalho? Carretos com carro de boi ainda existem na região?

Bernadete Costa – “Só os amigos dele de Gonçalves-MG, e um amigo do bairro do Baú, de São Bento do Sapucaí, que usa a boiada com o carro de boi para trabalhar e participar de desfile em festas dos padroeiros e padroeiras das cidades mineiras, paulistas e outros estados e aqui realiza desfile no aniversário do Museu, dia 27 de outubro, a comemoração e desfile dos carros de bois dos vizinhos de Gonçalves.

O genro do Quim Costa, meu marido Ivan, também aprendeu o ofício com ele, mas prefere fazer o carro de boi em formato de miniaturas e também produziu algumas ferramentas como facas, formões, canivetes, e outros meio de transporte como carroças e charretes. Dois de seus netos que se tornaram marceneiros e carpinteiros, e muitos de seus descendentes tem vocação para algum tipo de arte manual.”

Crianças adoram visitar o local

Pois é, meu caro leitor ou leitora, o carreiro Joaquim Pereira da Costa foi um artesão e artista que dedicou sua vida a uma atividade que foi superada pelo progresso. Mas quem sabe o Museu do Carro de Boi Quim Costa não ajude a fortalecer vocações e talentos dos visitantes?

6 Comentários


  1. Olá, tudo bem eu infelizmente não conheci o senhor Quim, gostaria muito que isso tivesse acontecido,
    Meu patrão tem uma mesa de centro feita por ele e é uma peça espetacular em formato de roda de carro de boi meu patrão adora sua mesa
    Como eu gostaria de aprender com essas pessoas
    Fiquei sabendo agora do museu e vou sim conhecer muito obrigada

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    1. Bom dia, Mauricio.Obrigado pela mensagem. O trabalho do Sr. Quim é mesmo muito bonito, visite o Museu quando for possivel.
      Abs
      Rogerio Ruschel

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  2. Meu pai além de exemplo de profissional,foi um excelente pai,nos amou imensamente.
    Era um homem humilde e visionário.

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  3. Lógico! Seu Joaquim Costa é esposa D. Carmen eram nossos conhecidos pois Ivan Prado casou casado com a filha dele Bernadete Costa Prado. Lugar lindo de passear antes eu ia mais qdo. Sr Joaquim e D.Carmem eram vivos. Mas lá foi onde fizeram o Museu Carro de Boi ainda não mas conheço por fotos; e todas as festas tradicionais eu recebo vídeos .são lindas têm também as bordadeira que fizeram um livro onde sua Bisneta Pietra riscou e fizeram bordados da história do museu carro de Boi em homenagem ao Senhor Joaquim Costa. Ficou lindo! Tudo foi idealizado e planejado por seus filhos e filhas , eu me sinto Holanda de ter bordado uma página deste livro.

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