Turismo e patrimônio: uma articulação muito escassa em territórios de baixa densidade

Tempo de leitura: 9 minutos

Por Isabel Vaz de Freitas, Diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura da Universidade Portucalense, Porto, Portugal; editor, Rogerio Ruschel

Estimado leitor ou leitora. Por incrível que pareça, são poucos os gestores públicos que percebem que o turismo é uma atividade econômica de grande relevância porque atrai recursos financeiros para o território e expande a base da atividade econômica para dezenas de cadeias produtivas. Na verdade, o turismo é a maior atividade econômica do mundo excetuando-se armamentos e drogas.

Municípios que têm grandes atrativos culturais, naturais ou históricos têm maior facilidade em atrair turistas e podem oferecer melhores condições de receptivo e infraestrutura; são destinos privilegiados. Mas outros não tem tanta sorte e quando planejam desenvolver o turismo normalmente fazem mais do mesmo: tentam atrair turistas para atrativos que os “vizinhos” têm e muitos não valorizam os patrimônios que têm no território, até mesmo porque não os percebem como de importância turística.

Como deixo bastante claro no meu livro “O valor global do produto local – a identidade territorial como estratégia de marketing” (2019, Editora Senac, em 3a. edição), os patrimônios da comunidade e do território são a base da economia local. São muito variados:

  • Produtos locais: já reconhecidos com uma Indicação Geográfica ou Marca Coletiva, ou ainda não
  • Naturais: paisagens, solo, terroir, minerais, fauna, flora, água, ambiente natural, cachoeiras, montanhas
  • Culturais: patrimônio histórico e cultural, acervo cultural, gastronomia, festas, mitos, lendas, criadores
  • Infra-estrutura: terras, plantios, maquinaria, acessos
  • Intelectuais: o saber fazer, conhecimento, experiências, criatividade
  • Sociais: etnias, valores comunitários, estruturas sociais, simbolismos

Estes patrimônios geram produtos e turismo com identidade, que é como chamo o turismo fundamentado em patrimônios locais. Este tema tem tido a atenção de muitos especialistas mundo afora, como a professora Isabel Vaz de Freitas, Diretora do Departamento de Turismo, Patrimônio e Cultura da Universidade Portucalense (UPT) da cidade do Porto, Portugal. Eu a conheci em 2016, quando recebi, honrado, convite para fazer duas aulas de encerramento do ano letivo nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da UPT.

A professora Isabel em trabalhado de maneira relevante com estes conceitos em Portugal, que embora tenha um desempenho espetacular no turismo, precisa harmonizar o volume de visitantes entre diferentes regiões. No artigo abaixo ela comenta sobre o papel de 98 castelos na atração turística de Portugal. Como ela diz “Para incrementar o turismo em áreas de menor densidade é necessário desenvolver complementos e produtos estratégicos que tornem estes locais mais apelativos, bem como adotar estratégias mais complexas de valorização e de preservação integrada do património”

Leia a seguir o artigo da professora Isabel Vaz de Freitas, publicado na plataforma digital Travel News Pro, de Portugal.

“Os castelos medievais enquanto monumentos classificados, na sua grande maioria, como de interesse nacional, contribuem para o desenvolvimento económico em áreas mais vulneráveis e de baixa densidade? Esta é a questão colocada num estudo realizado por duas investigadoras do património e do turismo da Universidade Portucalense e por um investigador da Universidade do Minho que analisam como a presença de castelos enquanto monumentos classificados de grande significado em Portugal, que deveriam atrair turistas, prolongar a sua estadia e motivar as autoridades locais a investirem em atividades culturais, especialmente em áreas de baixa densidade.

Não há dúvida que o património e o turismo estão interligados por objetivos económicos, culturais, sociais e territoriais e promovem as economias locais, preservam tradições, incentivam a reabilitação, capacitam comunidades e ajudam a proteger paisagens. Por seu turno, os monumentos históricos são fundamentais para conectar as pessoas à sua comunidade e à herança cultural dos seus territórios. Um planeamento cuidadoso que inclua o turismo e o património monumental, garante que os elementos culturais que valorizam os lugares são mantidos e que se encontra um equilíbrio entre crescimento, coesão territorial, preservação e salvaguarda do património para futuras gerações. Neste estudo, foram escolhidos como estudos de caso os municípios com castelo. Note-se que os castelos são monumentos identitários e com enorme relevo na História Portuguesa, ligando o imaginário medieval às guerras de reconquista, de alargamento e defesa do território, e ao estabelecimento de fronteiras com a vizinha Espanha.

A maioria dos castelos, 77,5%, está situada em áreas urbanas. Esta associação reforça o papel dos castelos como centros fundamentais nos assentamentos medievais, onde frequentemente serviam como centros administrativos, fortificações militares e símbolos de poder e que se mantiveram até aos nossos dias como elemento fundamental quer em cidades de grande e média dimensão e vilas de menor dimensão, organizando o território como elemento-chave em torno do qual se estabelece a orgânica urbana.

“O uso atual dos castelos medievais revela um claro predomínio de propósitos culturais e recreativos, num total de 98 castelos estudados existem apenas três monumentos classificados como comerciais e turísticos.”

O uso atual dos castelos medievais revela um claro predomínio de propósitos culturais e recreativos, num total de 98 castelos estudados existem apenas três monumentos classificados como comerciais e turísticos. Esta percentagem elevada de usos culturais e recreativos coloca um forte enfoque, muito positivo, na promoção dos monumentos como património cultural e na preocupação de dinâmicas que criem elos com os residentes. Neste contexto patrimonial e cultural, os resultados deste estudo revelam que os municípios com menos recursos e em territórios de menor densidade populacional, mas que possuem um castelo, investem mais em atividades culturais.

Assim, os municípios, com pelo menos um castelo como monumento classificado, tendem a apresentar despesas culturais superiores em cerca de 27 milhões de euros, comparativamente a outros municípios. Verifica-se que muito positivamente as atividades culturais realizadas nestes municípios estão voltadas para o seu interior, para a sua população. No entanto, estas atividades que podiam ser bastante atrativas para turistas, oferecendo a oportunidade de interagirem com a cultura local e de desfrutarem de experiências únicas que estes locais podem proporcionar, tal não se verifica. A interação e a atratividade é muito baixa, facto que não permite alcançar um impacto económico. As opções destes concelhos em termos de cultura são claramente insuficientes para criar efetivos que aumentem a visita e a procura externa e que retenham internamente os seus residentes. As decisões dos municípios não apontam para o desenvolvimento assertivo do seu território. Claro que tem de ser estudado caso a caso para ter uma ideia mais concreta sobre este investimento.

“Ao examinar os números de estadias e do número de hóspedes, torna-se evidente que estes monumentos classificados como património de interesse nacional, não são suficientes para impulsionar o turismo.”

Ao examinar os números de estadias e do número de hóspedes, torna-se evidente que estes monumentos classificados como património de interesse nacional, não são suficientes para impulsionar o turismo. Ao analisar a relação entre a presença de castelos e a estadia média, não se observa uma ligação direta. Mais de 65% dos municípios que possuem um castelo registam uma estadia média abaixo da média nacional. Cerca de 27% apresentam uma estadia média entre 2 e 3 noites, enquanto apenas 8% ultrapassam as 3 noites. Curiosamente, dentro deste grupo de 8%, a maioria situa-se na região de Lisboa e Algarve. Por esta razão, não parece haver uma relação direta entre a presença de castelos e a duração média das estadias turísticas, sugerindo que estes locais funcionam mais como atrações de visita curta do que como destinos de estadia prolongada.

Apesar do seu enorme valor histórico e arquitetónico e de possuírem as mais altas classificações nacionais, estes castelos, monumentos icónicos no nosso território, não parecem atrair visitantes em número suficiente para compensar os desafios inerentes às suas localizações remotas. Definitivamente demonstra-se uma parca preocupação de consolidar os monumentos de interesse nacional como efetivos estratégicos do território. Isto reforça a importância de esforços adicionais para aumentar a procura turística, em particular em áreas de interior e de baixa densidade, onde a autenticidade e a identidade histórica está, ainda, muito presente. Como evidenciado, o turismo continua concentrado em Lisboa e Porto e na região do Algarve, que tem uma tradição consolidada no campo do turismo.

Para incrementar o turismo em áreas de menor densidade é necessário desenvolver complementos e produtos estratégicos que tornem estes locais mais apelativos, bem como adotar estratégias mais complexas de valorização e de preservação integrada do património, lado a lado com a promoção turística e cultural que exige mais e maior eficácia. Uma ação conjunta, incentivada por políticas locais e centrais de valorização patrimonial e cultural, seriam possibilidades a ter em conta. Acresce que neste contexto de desenvolvimento do território é fundamental pensar a sustentabilidade a longo prazo e concretizar abordagens eficazes aos desafios do território. Problemas como a concentração do turismo no litoral ou, pelo contrário, a falta de turistas no interior, são preocupações e será necessária uma visão estratégica que garanta a preservação cuidada e especializada e o desenvolvimento responsável do turismo cultural e patrimonial.”

Fonte: Travel News Pro, Portugal, 18 de junho de 2025

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *